A constituição do feminismo no Brasil enfrentou dificuldades não só por ter de conquistar seu espaço numa cultura extremamente patriarcal, mas também por ter de abranger reivindicações de interesse de todas as mulheres. É disso que trata a socióloga Núbia Regina Moreira no livro A organização das feministas negras no Brasil, lançado em abril em evento organizado pelo coletivo Marcha das Vadias e Promotoras Legais Populares no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.
Por Monique Lopes
O principal foco do livro, que traz um panorama histórico do movimento feminista entre os anos de 1985 e 1995, são as dificuldades de entendimento entre as mulheres militantes. Segundo a autora, a principal falha do feminismo tradicional foi criar um modelo de mulher universal, que deveria representar a realidade de todas, mas não comportava a problemática das mulheres negras, uma vez que o movimento surgiu pelas mãos de mulheres brancas de classe média/alta. O feminismo negro nasce daí, mas, nas palavras de Moreira, “comete o mesmo pecado”. “A partir dessa ideia de uma mulher negra universal o movimento começa a ruir, do ponto de vista de classe, porque as mulheres negras populares não se percebem no mesmo campo das mulheres negras de classe média”, explica.
Outros desentendimentos, apontados no livro, decorrem da institucionalização do movimento: enquanto algumas mulheres pregam a autonomia, outras passam a integrar órgãos governamentais ou a se organizar na criação de ONGs, o que dificulta o consenso de ideias. A despeito dessa institucionalização e apesar de não se considerar mais uma militante do movimento feminista, Moreira – que é professora na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – acredita que boa parte da militância ainda hoje se faz no ambiente universitário, por meio de pesquisas e debates.
A autora opta por não se aprofundar nas “considerações finais” do livro, pois alega que, num trabalho como este, “é sempre uma conclusão incompleta”. Mas, perguntada sobre a situação atual do feminismo, afirma que houve grande evolução: “Hoje não existe mais uma divisão, existem mulheres negras dentro do campo feminista. É como se houvesse cada representante lutando pelo seu grupo social dentro do campo feminista, e elas dialogam. Hoje existe um diálogo muito mais próximo, e o campo feminista agrega não só a questão racial como a questão da sexualidade, da religião e da geração, que é muito forte atualmente”.
A organização das feministas negras no Brasil é resultado da tese de mestrado de Núbia Regina Moreira defendida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Unicamp em 2007.
Fonte: Conciencia