mais além da cota: a onda negro-africana por Alex Ratts

desde o começo dos anos 2000, uma série de demandas, movimentações e políticas contundentes, no campo da educação e também do trabalho, visam ampliar a participação negra nas universidades, na produção do conhecimento e da arte e em inúmeros espaços de decisão e visibilidade. em geral, as denominamos de ações afirmativas e a modalidade mais mencionada, pouco conhecida e muito confrontada são as cotas, sobretudo as raciais.

Beatriz Nascimento, Abdias Nascimento, Lelia Gonzalez – Foto: Blog do Alex Ratts

desde os anos 1970, existem proposições de uma ciência, uma história, uma arte e uma literatura negras. bem antes disso, pessoas e comunidades negro-africanas, rejeitavam a condição de objeto de exploração, estudo ou pesquisa, assumindo a posição de sujeito do conhecimento e da arte. antes mesmo de se falar em cotas, a luta por voz e espaço, vida e boa morte, prazer e poder, nas corporeidades e sociedades africanas e afro-americanas colonizadas.

pessoas brancas, em espaço de decisão e visibilidade, operam cotidianamente com o racismo, mas poucas param para pensar nesses mecanismos e nas suas implicações. algumas se consideram educadas, conscientes, críticas e sensíveis e se veem como “legais”, ou seja, não se consideram racistas. outra parte, opera o tempo todo com o racismo, com detalhes de violência, da linguagem às ações físicas, mas talvez não dimensione o alcance de suas ações.

o que tem acontecido nas universidades, mas também em outros espaços de conhecimento e arte? a contínua formação de grupos, núcleos, eventos, mesas, cursos, disciplinas, livros, revistas, espetáculos e exposições sobre África e diáspora africana com pouca ou nenhuma participação negro-africana. a publicidade dos cartazes, banners e flyers denuncia a cor predominante. além disso reproduzem negações e estereótipos.

cota é uma medida, uma quantia,  uma marca. será que uma parte dxs brancxs pensava (ou ainda pensa) que essa “onda negra” era algo que, de fato, tinha um limite, poderia ser contido sem maiores implicações? deve ser por isso que continuam formando coletivos e coletâneas brancas ou de maioria branca para continuar tratando das questões africanas, negras e raciais? fazem isto e não “sentem falta” da presença negra, muito menos das produções, autorias e conhecimentos negros, com raríssimas exceções. talvez considerem que este lugar é “seu” por constituição de nome, dinheiro, parentesco, cor, corpo, letra e mapa.

há também pessoas negras que alcançaram visibilidade e certa margem de decisão que mantêm esse desenho embranquecido nos seus mundos de trabalho. até podem conhecer a agenda intelectual, política e artística negra, mas não se sentem em posição de assumi-la. uma ou outro talvez se veja mesmo chefiando espaços brancos, algo que não dura após sua saída de cena. outra parte, não tem condições nenhuma de virar o jogo… ainda.

quem é comprometidx com estas pautas e ações deve apressar o passo. com o advento da internet – onde aumenta a circulação dos textos e das imagens – a onda, muito provavelmente, em alguns espaços, está se tornando um tsunami. em vários, abre fissuras nas paredes, no chão ou no teto. noutros é apenas um rumor do lado de fora. há reclamações e haverá mais. é um protesto crescente. venha como vier e de onde vier, é sério, é forte, é grande.

+ sobre o tema

Coletivo Negrada denuncia 40 por fraude em cotas raciais

Aprovados na Ufes pelo vestibular deste ano teriam mentido...

Nós viemos para bagunçar os lugares da mesa

Por Taina Aparecida Silva Santos* – Uma reflexão sobre a...

Coletivos negros investigam fraudes em uso de cotas do vestibular da USP

Coletivos negros formados dentro da Universidade de São Paulo...

Reflexão sobre o processo de ampliação da política de cotas raciais

Na última terça-feira, dia 02/06, o Conselho Universitário da...

para lembrar

Machado de Assis

Machado de Assis     (...) Assim são as páginas da...

E o lado negro da história?

Ausência de autores negros reflete baixa diversidade da TV...

Lázaro Ramos lança livro em que aborda o racismo

Autor de três livros dirigidos ao público infantil (Paparutas,...
spot_imgspot_img

Morre Maryse Condé, grande voz negra da literatura francófona, aos 90 anos

Grande voz da literatura francófona, a escritora de Guadalupe Maryse Condé morreu na madrugada desta terça-feira (2), segundo informou à AFP seu marido, Richard Philcox. A causa...

Bonaventure Ndikung será o curador da Bienal de São Paulo de 2025

Camaronês radicado em Berlim, Bonaventure Soh Bejeng Ndikung foi anunciado nesta terça-feira (2) como o curador da Bienal de São Paulo de 2025. Diretor e curador geral da...

Uma biblioteca contra a indiferença

Em janeiro de 1937, Carolina Maria de Jesus saltou de um trem na Estação da Luz, em São Paulo. Vinda de Sacramento, no interior...
-+=