A construção histórica do Brasil registra recorrentes interrupções na formação de sua identidade democrática, sobressaindo forte traço autoritário que remete à mais longeva escravização das Américas, cujo autoritarismo é intrínseco ao mais radical sistema de exploração humana.
Sob tal perspectiva, a última década já está marcada por um profundo déficit democrático – um processo de impeachment sem cometimento de crime de responsabilidade ganhou a forma política de golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, culminando com a prisão e banimento do ex-presidente Lula da vida política pela via de falseado processo judicial desmascarado somente após o êxito eleitoral do projeto político manifestamente descolado do arcabouço constitucional democraticamente consagrado pela Constituição Federal de 1988.
Sim, para além de proclamar a República Federativa em um Estado Democrático de Direito, o Preâmbulo da Constituição cidadã assenta estar o Brasil “(…) destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (…)”.
Decorridostrinta e quatro anos de vigência da Carta de 1988, podemos asseverar que a missão primordial do país está longe de ser atingida; os níveis de desigualdades sociais impõem concluir que os agentes políticos não se ajustaram aos preceitos constitucionais na consecução de macropolíticas desenvolvimentistas,retroalimentando um país absolutamente perverso com seu povo e que mantém instituições do sistema de justiça que contribuem sobremaneira para a reiteração das iniquidades e que impedem o exercício da cidadania, o respeito à dignidade humana, como princípio fundante da República, de 56% da população da população brasileira, que é negra, conforme o IBGE.
Ao mesmo tempo, à luz da ordem internacional com a qual o Brasil se compromete, citamos o último documento firmado, em 2022, com a promulgação da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, além dos compromissos programáticos com os Objetivos de Desenvolvimento Social (ODS), de onde extraímos o Objetivo 16: “Paz, justiça e instituições eficazes: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.
Embora cogentes as normas do direito interno e internacional, as ações já intentadas se mostram insuficientes e incapazes de realizar a equidade no acesso às oportunidades, especialmente quando se trata da ocupação de espaços de poder nas esferas legislativa, executiva e judiciária, ganhando dimensões ainda mais graves de exclusão quando a intersecção discriminatória articula as categorias de raça e gênero, demonstrando persistente e mesmo sistemática exclusão das mulheres negras na partilha e gestão dos poderes.
Sobre o sistema de justiça que buscamos, elevando a qualificação da prestação jurisdicional do Estado, também a composição dos órgãos deve guardar consonância com a diversidade da população ou, noutros termos, há que se ter o máximo espelhamento das diversidades humanas do povo da Nação que se quer construir.
Dentre as ausências que arranham a capacidade de percepção da realidade posta à apreciação jurídica estatal, sobressai a efetiva interdição às mulheres negras da ocupação de vagas no Supremo Tribunal Federal. Embora conte com a presença de mulheres desde o ano 2000, não há razoabilidade para que jamais uma jurista negra tenha tido assento na Corte Suprema do Poder Judiciário. Nesse momento em que empreendemos a reconstitucionalização do país, emerge a singular oportunidade de supressão desa lacuna reveladora da baixa intensidade da democracia brasileira.
Evidentemente, há muitas mulheres negras com notório saber jurídico e reputação ilibada, que assim preenchem os requisitos constitucionais para serem Ministras do STF. Ademais, muitas são também comprometidas com o espírito emancipatório e progressista inerente à nossa Constituição Federal e com os direitos de trabalhadoras e trabalhadores em geral, foco desse Governo de Reconstrução.
Na certeza de que a atuação jurídica de mulheres negras permite a oferta de um rol que reúne os atributos constitucionais e a legitimação social que deve ser cotejada pelo Presidente da República para levar sua indicação ao Senado Federal, as entidades subscritoras sustentam a pertinência da indicação de juristas negras para ocupar vagas de ministras no Supremo Tribunal Federal!
Brasília/DF, 08 de março de 2023.
Assinam este Manifesto as seguintes instituições:
- Movimento Negro Unificado (MNU), representado por Iêda Leal;
- Instituto Marielle Franco, representado por Ligia Batista;
- Instituto da Mulher Negra (GELEDÈS), representado por Maria Sylvia de Oliveira;
- Criola, representada por Lúcia Xavier;
- Uneafro Brasil, representada por Beatriz Lourenço;
- Coalizão Negra por Direitos;
- Sindicato das Trabalhadoras Domésticas (SINDOMESTICO/MA), representa do por Valdelice de Jesus Almeida;
- Mulheres Negras Decidem, representada por Tainah Pereira;
- Universidade do Estado da Bahia (UNEB), representada por Adriana Marmori;
- Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (International Institute on Race, Equality and Human Rights), representado por Rodnei Jericó;
- Fòs Feminista – International Alliance for Sexual and Reproductive Health, Rights and Justice, representada por Giselle Carino;
- Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (CLADEM-Brasil), representado por Ingrid Leão;
- Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada, representada por Teresinha Vicente;
- Federação de Estudantes de Direito Africanos (FALAS), representada por Alfred Dei;
- Instituto Cultural Steve Biko (BA), representado por Jucy Silva;
- Instituto de Acesso à Justiça (Porto Alegre/RS), representado por Livia Prestes;
- Instituto Hori – Educação e Cultura, representado por Cristiano Pedreira;
- Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), representada por Iraneide Soares da Silva;
- Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), representada por Gustavo Coutinho;
- Associação Brasileira de Estudos da Trans-Homocultura (ABETH), representada por Jaqueline Gomes de Jesus;
- Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), representada por Keila Simpson;
- Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS), representado por Paulo Iotti;
- União Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, representada por Silvia Cavaleire;
- Associação Protetora dos Desvalidos, representada por Lígia Margarida Gomes;
- Associação Terreiro do Cobre. Atividade Cultural, Beneficente e Religiosa, representada Vilma Reis;
- Movimento Nacional População de Rua (MNPR/BA), representado por Maria Sueli Sobral de Oliveira;
- Coalizão Nacional de Mulheres, representada por Adriana Cecilio Marco dos Santos;
- Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ( FONAVID), representado por Katerine Jatahy Kitsos Nygaard;
- Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (RENFA), representada por Luana Malheiro e Ingrid Farias;
- Rede Nacional de Mulheres Negras no Combate à Violência, representada por Silvana Veríssimo;
- Iniciativa Negra por Uma Nova Política Sobre Drogas, representada por Dudu Ribeiro;
- Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), representado por Pablo Nunes;
- Rede de Historiadoras/es Negras/os;
- Articulação Nacional de Psicólogas/os/es Negras/os/es e Pesquisadoras/es (ANPSINEP), representada por Maria Conceição Costa;
- Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Amerindia (AFA), Leonel Antonio Monteiro Pinto;
- Rede Brasileira de Conselhos (RBdC), representada por Milena Franceschineli;
- Mulheres de Axé do Brasil, representadas por Iyálaxé Juçara Lopes Santos Pontes;
- Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público, representado por sua coordenação nacional;
- Coletivo por um Ministério Público Transformador (MP Transforma);
- Movimento Elas (Ministério Público do Estado de Minas Gerais – MPMG), representado por Maria Clara Azevedo;
- Instituto Baiano de Direito e Feminismos (IBADFEM), representado por Lize Borges Galvão;
- Selo Juristas Negras, representado por Chiara Ramos;
- Abayomi Juristas Negras, representada por Débora Gonçalves;
- Blacksisters in Law, representada por Dione Assis;
- Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica – Comissão do Estado de Minas Gerais, representada por Kárin Liliane de Lima Emmerich e Mendonça;
- Comissão Antirracismo da Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM), representada por Maria Antônia;
- Comissão de Igualdade Racial da OAB – Barra/RJ, representada por SuelyBeatriz Ferreira;
- Comissão de Segurança Pública da OAB- RJ, representada por Monique Damas da Costa Andrade;
- Dororidade Jurídica (Rio de Janeiro/RJ), representada Mariangela de Castro;
- Associação Advocacia Preta Carioca – Umoja, representada por Angela Borges Kimbangu;
- Associação Tamo Juntas – Assessoria Multidisciplinar Gratuita para Mulheres em Situação de Violência, representada por Maria Letícia Dias Ferreira;
- Associação Elas Existem – Mulheres Encarceradas, representada por Caroline Bispo;
- Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas, História, Educação das Relações Raciais e Gênero (GEPPHERG-UnB), representado por Renísia Cristina Garcia Filice;
- Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de Uberlândia (NEAB/UFU), representada por Jane Maria dos Santos Reis;
- Grupo de Estudos Feminismos Negros Marielle Franco (São Luís/MA), representado por Francilene do Carmo Cardoso;
- Centro de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação, Gênero, Raça e Etnia (CEPEGRE), representado Cíntia Santos Diallo;
- Laboratório de estudos e pesquisas em Afrocearensidade, gênero e família (Nuafro) da Universidade Estadual do Ceara (UECE), representado por Maria Zelma de Araújo Madeira;
- Laboratório de Estudos e Pesquisas da Diversidade da Amazônia Legal (LEAL – Mato Grosso), representado por Lisanil da Conceição Patrocínio Pereira;
- Coletivo Pretas Ruas (Rio de Janeiro/RJ), representado por Pamella Cristina de Oliveira;
- Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, representada por Ana Gualberto;
- Grupo Couraça (São Paulo), representado por Joyce de Melo Alves;
- Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga (Salvador/BA), representado por Edna Pinho;
- Coletivo Iya Akobiode (Salvador/BA), representado pela Iyalorixá Jaciara Ribeiro;
- Coletivo Fala Akari (Rio de Janeiro/RJ), representado por Buba Aguiar;
- Conselho InterReligioso da Bahia, representado por Márcia Maria Ferreira de Brito Lima (Ìyá Márcia d’Ògún);
- N’zinga – Coletivo de Mulheres Negras de Minas Gerais, representado por Ayala Santero;
- Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras, representada por Sandra Helena Maciel;
- Coletivo Maria Felipa (Coletivo de Servidoras/es Públicos do Ministério Público do Estado da Bahia), representada por Andréia da Cruz Oliveira;
- Coletivo Fala Alto (Recife/PE), representado por Carolina Barros;
- Terreiro das Pretas, representado por Valéria Gercina das Neves Carvalho;
- Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC), representado por Livia Maria Nascimento Silva;
- Movimento Rolezinho das Caras Pretas (Salvador/BA), representado por Ana Célia da Silva;
- As Guardiãs da Pedra de Xangô (Salvador/BA), representadas por Mãe Diala – Lindinalva Brasília dos Santos;
- Rede de Mulheres de Terreiro da Bahia, representada por Denise Ribeiro;
- Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e Promoção da Igualdade Racial (COMPIR – Sorocaba/SP), representado por José Marcos de Oliveira;
- Conselho Municipal das Comunidades Negras de Salvador (CMCN), representado por Evilasio da Silva Bouças;
- Instituto de ReferênciaNegra Peregum, representado por Vanessa Nascimento;
- Redes de Desenvolvimento da Maré, representada por Eliana Sousa Silva;
- Coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste (Recife/PE), representado por Sarah Marques;
- Coletivo Pais Pretos Presentes, representado por Luciana Rodrigues Martins;
- Coletivo Quilombo Oxê, representado por Amanda Clara Soares Medina;
- Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa/MA, representado por Vinólia Andrade;
- Diretoria de Estudos e Pesquisas Afrorraciais (DIEPAFRO), representado por Cristiane Coppe de Oliveira;
- Coletivo DAN EJI/MA, representado por Iyalorixá Josilene Brandão;
- Rede de Mulheres Negras da Bahia, representada por Lindinalva de Paula;
- Movimento Nacional de Catadores e Catadoras de Material Reciclável do Estado do Rio de Janeiro, representado por Claudete Costa;
- Grupo de Pesquisa em Educação, Diversidade, Linguagens e Tecnologia (GEPEDET) IF Baiano (Instituto Federal Baiano), representado por Izanete Marques e Queila oliveira.;
- Centro de Referência Integral para Adolescentes (CRIA), representado por Fátima Froes;
- Programa de Ações Afirmativas da Universidade Federal de Minas Gerais, representado por Natalino Neves da Silva;
- Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal, representada por Graça Santos;
- Coletivo Cultural Samba de Roda, representado por Fernanda Machado;
- Coletivo Mangueiras, representado por Henrique Costa;
- Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD);
- Grupo Prerrogativas;
- Coletivo de Defensoras e Defensores pela Democracia;
- Associação da Advocacia Pública pela Democracia;
- Coletivo Juristas Negras, representado por Simone Henrique;
- Associação dos Advogados da Zona Oeste (AAZO), representado por Nivia Mendonça;
- Comissão OAB Vai à Escola da 58ª Subseção do Rio de Janeiro, representada por sua presidente Pamella Cristina de Oliveira da Silva;
- Associação Mulheres de Peito e Cor, representado por Jacqueline Fernanda da Silva Faria.