Manifesto repudia invasão da polícia a terreiros nas buscas por Lázaro

Representantes de religiões de matriz africana publicaram nota de repúdio às ações da polícia nos terreiros da região de Águas Lindas, Girassol e Edilândia

As autoridades afro tradicionais de religiões de matriz africanas publicaram, neste sábado (19/6), uma nota de repúdio contra as ações que a força-tarefa realiza nas buscas por Lázaro Barbosa. Segundo os relatos obtidos pelo Correio, algumas casas de candomblé foram visitadas diversas vezes ao longo dos 12 dias de buscas por Lázaro, que continua foragido. Nessas operações, alguns agentes chegaram a agredir um caseiro, amassar portas e quebrar cercas.

Lázaro Barbosa é apontado como o principal suspeito de ter matado quatro pessoas de uma mesma família na área rural de Ceilândia, no DF. Após o crime, em fuga, ele baleou três pessoas em Cocalzinho e fez reféns em diversas ocasiões.

No entanto, o problema para os Ilês começou quando a figura do foragido foi associada, por meio de notícias falsas, a rituais religiosos. Os representantes destacam, contudo, que a religião não apoia de forma alguma ações criminosas e desumanas. “Estamos sendo atacados de maneira vil e racista sob o falso pretexto de estarmos servindo de abrigo ao foragido”, esclarecem.

Confira na íntegra o manifesto:

As autoridades afro tradicionais e organizações representativas dos povos tradicionais de Matriz Africana, abaixo assinadas, vêm a público manifestar seu repúdio aos violentos ataques racistas praticados contra as casas de matrizes africanas na Região de Águas Lindas, Girassol, Cocalzinho e Edilândia em Goiás, na tentativa de nos vincular ao foragido conhecido como Lázaro e aos crimes a ele atribuído.

Consideramos intoleráveis as invasões e abordagens policiais truculentas injustificadas, bem como a campanha difamatória propagada por diversos veículos de comunicação.

Afirmamos veementemente que nossas tradições não têm relação com atos criminosos, e, mesmo que fossem praticados por alguma pessoa que pertencesse a uma tradição afro, não nos vincularia de maneira coletiva a atos e ações criminosas e desumanas. Estes atos devem ser sempre atribuídos pela lei à pessoa civil.
Entretanto, estamos sendo atacados de maneira vil e racista sob o falso pretexto de estarmos servindo de abrigo ao foragido.

São graves os relatos de depredação dos nossos territórios mediante intimidação e agressões físicas.
As imagens dos alegados “rituais satânicos” que estão sendo divulgados pela mídia foram produzidas pela própria polícia durante uma invasão e quebra das portas de uma de nossas casas.

O que de fato estas imagens retratam são elementos sagrados de nossas divindades, especificamente ligadas ao culto ao Orixá Exu e aos exus guardiões de Umbanda. Estes apetrechos nunca pertenceram ao procurado e nem tampouco guardam relação com o satanismo, referência que não faz parte da cosmogonia e mitologia afro.

Trata-se de um vilipêndio ao nosso culto e aos nossos valores civilizatórios, sendo, inclusive registrado o Boletim de Ocorrência nº 19925673, Estado de Goiás, Secretaria de Segurança Pública, em 18/06/2021.

Quando uma de nossas comunidades é atacada todas se sentem igualmente agredidas. Nossa visão de mundo, nossos princípios e valores civilizatórios merecem respeito.
Tamanha violência só se torna possível fundamentada no racismo estrutural presente em nossa sociedade. E por razão deste todos os nossos símbolos e vivencias continuam sendo alvo de diversas violações.

Exigimos que o assédio e violação dos nossos espaços cessem imediatamente com a apuração e responsabilização das forças policiais pelas agressões a nós impostas.

Exigimos que o Estado Brasileiro, laico em sua constituição, garanta a liberdade e integridade dos nossos territórios tradicionais, liturgias e referenciais de mundo afro centradas.

Exigimos também que os meios de comunicação de massa param de vincular ideias negativas e criminosas a nossas casas e tradições, inclusive com a divulgação deste manifesto.

Apoiamos o esforço policial em consonância com os ditames legais na garantia da segurança de toda sociedade, respeitando toda nossa diversidade, no efetivo cumprimento do dever que lhe é imposto.

Por fim, nos solidarizamos com as vítimas e familiares dos acontecimentos brutais tão amplamente divulgados e nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos e apoio à toda sociedade.

Que seja feita justiça! Reparação já

Águas Lindas de Goiás, 19 de junho de 2021.

Assinam este manifesto as lideranças, organizações e unidades tradicionais abaixo:

  • Tata Ngunzetala – Tumba Nzo Mona Nzambi
  • Pai André de Yemanjá – Terreiro Estrada da Vida
  • Babá Eduardo Fomo de Omolu, Ilê Asé Esin Fadaká
  • Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de matriz Africana – FONSANPOTMA
  • Babá Dídio de Ogum – Axé Imùná
  • Ilê Axé Odé Erinlé – Pai Ricardo César de Oxóssi
  • Baba Obalajô – Ilê Asé Egbé Alááfin Oyo
  • Mãe Abadia de Ogum – Axé Ogum Onilè Dubo
  • Iya Monna Janaina – Ilê Axé Morada
  • Iyalorisá Ana Paula Ti Osún – Centro de Cultura e Arte Axé da Casa Amarela- Aladé Osún
  • Mãe Bel do Ilé Axé Olona
  • Dirigente Ruan Frederic Neves Ribas – Tenda de Umbanda São Gerônimo e Santa Bárbara, Mãe Fátima – Aldeia dos Encantados

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