Marcha em Washington relembra momento histórico de Martin Luther King em 1963

“Viajei mais de 800 quilômetros desde Ohio para ter certeza de que estaríamos em número suficiente. Se tivesse pouca gente, não teria nenhum efeito. Aparecemos para que todos entendam que as nossas vidas negras importam.”

Aos 30 anos, Jeff Wynn era uma das milhares de pessoas que se reuniram nesta sexta-feira (28) em Washington para pedir igualdade racial e reforma do sistema de justiça nos EUA.

O evento era uma reedição da marcha que, há 57 anos, resultou no histórico discurso “Eu tenho um sonho”, do ativista de direitos civis Martin Luther King.

Os protestos antirracismo e contra a violência da polícia tomaram os EUA no fim de maio, após o assassinato de George Floyd —um homem negro que foi asfixiado por um policial branco em Minnesota, depois que o agente ajoelhou sobre seu pescoço por quase nove minutos.

Os atos arrefeceram no mês passado, mas ganharam novos e graves contornos nesta semana, depois que Jacob Blake, um homem negro morador do estado de Wisconsin, foi baleado sete vezes pelas costas por um policial branco. Os disparos foram feitos à queima-roupa e Blake, segundo seus familiares, ficou paralisado da cintura para baixo.

Parte dos jovens que tomaram as ruas busca justiça inspirada em Luther King, mas não acredita que haverá grandes mudanças enquanto Donald Trump for presidente.

O republicano tem reagido com truculência aos protestos, investindo no discurso da lei e da ordem e acusando os manifestantes de serem bandidos e saqueadores.

“Ele [Martin Luther King] fez história, e eu sempre penso de que lado quero estar. Quero ser parte da mudança, mas não acho que as coisas vão mudar agora”, afirmou Tianna Baker, 22.

Ela reconhece que é preciso continuar nas ruas para fazer pressão sobre a classe política e a sociedade americana, mas o voto em novembro, argumenta, será fundamental.

“Precisamos continuar agindo, mas temos também que votar, tirar o Trump do cargo e eleger parlamentares que façam as leis que queremos.”

Em 28 de agosto de 1963, Luther King falou das escadas do icônico Memorial Lincoln, na capital americana, por igualdade e harmonia entre brancos e negros, durante aquela que ficou conhecida como Marcha sobre Washington por Emprego e Liberdade. À época, o evento mobilizou cerca de 250 mil pessoas e impulsionou, no ano seguinte, a aprovação da Lei dos Direitos Civis, um marco da história americana.

Desta vez, quando os EUA vivem uma nova fase de ebulição social e uma espécie de acerto de contas racial, os ativistas querem se espelhar no no passado e pressionar o Congresso por uma nova legislação para garantir igualdade de tratamento de brancos e negros no país.

Desde a manhã desta sexta, uma longa fila começou a se formar nas imediações do Memorial Lincoln, a 2 quilômetros da Casa Branca.

Em meio à pandemia que já matou mais de 180 mil nos EUA, os organizadores do evento implementaram alguns protocolos para tentar minimizar a transmissão do vírus, como a medição de temperatura, a distribuição de máscaras e a realização de testes grátis para diagnóstico da Covid-19 —ainda assim, as aglomerações preocuparam autoridades de saúde.

A maioria dos manifestantes usava máscara, mas se espalhava, sem distanciamento social, por um caminho de quase 1 quilômetro em torno da piscina refletora, repetindo a cena da multidão que tomou o local na década de 1960.

Os organizadores esperavam 100 mil pessoas nesta sexta, mas reduziram as expectativas para cerca de 50 mil devido às restrições impostas pela pandemia —a prefeita de Washington, a democrata Muriel Browser, impôs quarentena de 14 dias para quem chega à cidade.

Organizada por movimentos sociais, como a Rede de Ação Nacional do Reverendo Al Sharpton, a marcha desta sexta foi batizada de “Tire Seu Joelho dos Nossos Pescoços”, em homenagem a Floyd, e estava sendo articulada desde junho para que tivesse contornos históricos.

Um dos momentos mais emocionantes foi justamente o discurso de Al Sharpton, célebre ativista dos direitos civis, que conduziu o funeral de Floyd. Ele organizou o ato desta sexta ao lado de Martin Luther King 3º, filho mais velho do líder assassinado em 1968.

“Muitos vieram na década de 1960 sem poder parar para usar o banheiro ou comer em restaurantes, porque as leis [da segregação racial] não permitiam. Mas eles vieram em 1960 para que pudéssemos vir em 2020, e agora precisamos de uma nova conversa”, disse Al Sharpton.

Familiares de Floyd, Blake e de Breonna Taylor, morta pela polícia no Kentucky em março, também discursam diante da multidão. O irmão de Floyd se emocionou diversas vezes e não conseguiu terminar sua fala.

Após o ato nas escadarias do Lincoln, os manifestantes caminharam até o Memorial Martin Luther King, em frente ao rio Potomac, a poucos quilômetros da Casa Branca.

A questão racial está no centro do debate político nos EUA, e os manifestantes pedem que as pessoas saiam para votar em novembro —o voto não é obrigatório nos EUA, e a baixa mobilização de jovem e negros em 2016 (principal perfil hoje nas ruas) foi determinante para a derrota de Hillary Clinton.

Trump afirma que seu adversário, o democrata Joe Biden, é uma ameaça aos EUA e que vai mergulhar o país no socialismo, permitindo violência e vandalismo.

A retórica distópica serve para assustar eleitores moderados que flertam com a candidatura de Biden, que, por sua vez, tem conduzido uma campanha centrista.

O ex-vice de Barack Obama tem grande apoio dos eleitores negros, é favorável aos protestos, mas não se comprometeu com bandeiras com a retirada de financiamento da polícia, uma demanda dos ativistas.​

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