Mariene Castro: ‘Achamos que tá todo mundo consciente, mas ainda estamos longe’

Após desabafo no Instagram, atriz conversou com o CORREIO sobre violência doméstica que sofreu quando estava grávida e casos de racismo
Por Vanessa Brunt, do Correio

A atriz, modelo, instrumentista, bailarina, cantora e compositora brasileira Mariene de Castro desabafou duas vezes no Instagram nesta quinta-feira (28). Na segunda postagem, feita em prol da campanha Sou Mulher e Quero Respeito, da Rede Bahia, Mariene apresenta um vídeo no qual desabafa sobre violência doméstica. O vídeo guarda uma realidade dura por trás da história que o fez nascer, sobre a qual Mariene conversou com o CORREIO (confira mais abaixo). Na primeira postagem, com a foto de uma bandeira do Brasil construída através de bonecas de panos (o que seria uma crítica ao machismo), a artista desabafou sobre o racismo que perpetua o país e o mundo, ainda em 2017. Leia na íntegra:

“Estou mais uma vez decepcionada e indignada com a conduta racista e preconceituosa que vivemos nos dias de hoje. Ainda hoje depois de tantas lutas, tanto sangue, tanta consciência. Parece que nada mudou. Falo hoje especificamente de mim. Por várias vezes fui tratada dentro do condomínio que resido com diferenças. E deixei passar todas as vezes por não querer gastar minha energia com coisas e pessoas que não valem a pena. Mas chega! Realmente, me silenciar por muitas vezes, não foi o melhor caminho. E usando essa frase do Martin Luther King, venho falar que ao final do ano, faltando alguns dias pra encerrar esse ciclo de 2017, em pleno século XXI, ouvi coisas tão abusivas de pessoas que se dizem filhos de Deus. O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… ‘O que me preocupa é o silêncio dos bons’. (Martin Luther King)”.

Em conversa com o CORREIO, a baiana contou que sofreu preconceitos raciais no condomínio onde mora, no Rio Janeiro; o que a fez criar a postagem. “É um condomínio de classe alta, no qual as pessoas costumam passar essa imagem civilizada de fora. É um local repleto de famílias. Mas nada disso tem a ver com respeito. Ele é sobre conscientização transmitida e caráter. Posso até ser uma pessoa um pouco mais conhecida, mas isso não muda nada”, declarou.

Apesar de não entrar em detalhes sobre o caso, a atriz deixou claro que foram situações repetidas, “de maneiras perseguidoras” (como afirmou). Ela pensou em denunciar, mas a primeira atitude que tomou foi a de fazer as postagens, após muito relutar para falar sobre. “Eu moro aqui como todos eles. Não é só questão de ser negra, de ser mulher ou de ter ou não ter dinheiro… é de ser um ser humano”.

Abrindo a boca e os olhos
“Olha, eu não costumava falar muito sobre esses assuntos. Confesso que tinha medo de causar polêmicas e de pontuar muitas opiniões. Mas isso precisou acabar. Sabe o que acontece? Pensamos que o mundo está se conscientizando, porque vemos muitas campanhas, novas tramas nas televisões falando sobre os assuntos, postagens nas redes sociais… e pensamos que as coisas estão mudando radicalmente. Mas não é assim, ainda estamos bem longe. A maior parte da sociedade ainda é preconceituosa, machista, racista, infelizmente. Por isso, precisamos falar, falar mais sim!”, desabafou a atriz ao finalizar lembrando que é época de virada de ano e que espera que esse tipo de reflexão possa invadir muitas mentes para novas ações nessa fase de ‘trocas energéticas’ (como chamou).

“Falar também é uma atitude, assim como não falar é uma das piores. Quando você conta um caso seu, você está ajudando outra pessoa a buscar ajuda. Você está alertando para o fato de que a vítima não é culpada. Ela nunca é. Pode ser que você pense ser clichê falar isso hoje, mas olhe os números: não é”

Agressões físicas
Após a primeira imagem com legenda em tons de indignação, a atriz postou uma vídeo, no qual faz metáfora para agressões psicológicas e apresenta, mais no literal, as agressões físicas sofridas por mulheres durante os séculos. Na legenda, Mariene desabafa: “BASTA!!!
Sou mulher, quero respeito. #soumulherquerorespeito#leimariadapenha#violenciacontramulher#chega#2018#respeitoebomeeugosto#naomecalo#queropaz”.

Nos comentários, mulheres e homens comovidos deram apoio às falas e demonstrações da artista. Algumas mulheres desabafaram sobre casos semelhantes. “Dói na alma reviver isso tudo!”, disse uma seguidora. Até aquelas que consideram não ter passado por algo tão literal dentro do tema, mostraram suporte e sofrimento conjunto: “Não consegui conter as lágrimas. Dói saber que tantas mulheres passam por isso , dói mto”, afirmou um dos comentários. Fãs masculinos da atriz também se mobilizaram “#queropaz”, disseram alguns entrando na luta.

As postagens também foram compartilhadas no Facebook, onde receberam emoticons de choros e corações, além de reações escritas semelhantes às da outra rede social.

O que poucos dos seguidores sabem, é que Mariene não estava, no vídeo, simplesmente atuando. Ela estava representando a ela mesma. “Sofri violência doméstica enquanto estava grávida. É a maior cicatriz que carrego. É um trauma que ecoa, daquele jeitinho que mostrei no vídeo. Fiquei calada por cinco anos. Hoje o caso está na justiça”.

“Vejo tantos homens machistas e penso: Não é possível que estou vivendo isso em pleno século XXl, não é possível que não vai mudar. É aí que vemos que não temos nada resolvido, não como pensamos hoje”.

Mariene é mãe solteira de cinco filhos, mantém uma carreira eclética há 20 anos e segurou todas essas tristezas por pensar que seria melhor para ambas as partes da sua vida.

“Nunca é melhor. A gente fica achando que vai criar alarde ou manchar a própria imagem, mas esse medo é fruto dos nossos problemas. Ser forte é passar por isso e lutar com voz. As mulheres precisam entender que se um homem dá o segundo grito, se ele xinga… ele bate. Ela precisa pará-lo. E fazer isso é também falar sobre”.

“Ensino meus filhos a não baterem em mulher, a não desrespeitar um ser vivo. É aí que a mudança começa”, ponderou Mariene ao deixar o pedido para que os pais não briguem na frente dos seus filhos e não apresentem nenhum tipo de agressão, seja física ou verbal, principalmente quando na infância deles.

“Quantas mulheres deixam de ter prazer sexual por traumas? Quantas mulheres vivem com base em tabus e aceitações absurdas? Elas não são culpadas de nada disso. Quero que os jovens lembrem disso e tenham orgulho da cultura deles, da história da MPB, do estado onde moram, do país, da cor, do gênero. São tantos preconceitos, tantas mortes, e os índices não baixam”.

Tragédias ao lado
Em tons indignados e lágrimas presas na garganta, a atriz ainda revelou mais um caso que acompanhou de perto. “Uma amiga minha foi morta pelo marido e ele criou todos os filhos deles depois. Mesmo quando descobriram que ele foi o culpado, nada aconteceu”.

“Na Bahia sei que lutam muito. Temos advogadas justiceiras, mas precisamos não precisar que elas passem por esses absurdos, que elas tenham que defender o que deveria ser defendido em casa. Os homens precisam entender que hoje não somos mais vítimas do silêncio e da culpa errada”.

“Empoderamento é dar conta do poder que você tem de ser única e merecedora. Peço que as mulheres lembrem outras mulheres sobre isso. Amor gera amor. Violência só gera morte, seja ou não literal. Quem ama não faz com o outro o que não gostaria de receber”.

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