‘É raro feminicídio acontecer sem aviso’, diz promotora Lívia Vaz

O CORREIO conversou com as promotoras e fez uma lista de perguntas e respostas sobre feminicídio
Por Raquel Saraiva, do CORREIO 

O CORREIO conversou com as promotoras Márcia Teixeira, coordenadora do Centro de Apoio dos Direitos Humanos do MP-BA, e Lívia Vaz, coordenadora do Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher e da População LGBT (Gedem), e fez uma lista de perguntas e respostas sobre feminicídio. Confira abaixo.

O que caracteriza o feminicídio?
É o homicídio tentado ou consumado contra a mulher por sua condição de mulher. Esse é um motivo diferenciador dos outros tipos de homicídio. De acordo com a promotora de justiça Lívia Vaz, o recorte na lei é importante: “A mulher precisa de proteção especial, porque nessa sociedade patriarcal, machista e sexista que a gente vive ser mulher é estar numa situação de vulnerabilidade”.

Qual a relação do feminicídio com a lei Maria da Penha?
A lei Maria da Penha (11.340/06), de 2006, é mais antiga que a lei do feminicídio (13.104/15), de 2015. A Maria da Penha trata de proteção multidisciplinar à mulher, mas não trata de crime específico, que fica a critério da legislação criminal.

Pessoas que não têm relação íntima com a mulher podem ser enquadradas por feminicídio ou pela lei Maria da Penha?
Sim. A violência contra a mulher não se restringe ao ambiente doméstico e familiar – a violência praticada por uma pessoa desconhecida na rua ou em uma festa também são enquadradas nas leis. Segundo a promotora Márcia Teixeira, as possibilidades de menosprezo da condição de mulher são “infinitas”: “Isso é o que tem sido mais difícil de combater. É o que acontece quando a mulher nega sexo, quando ela se recusa a dançar na boate com ele, porque ele paquerou mas ela nunca corresponde ou simplesmente porque ele invoca com a mulher, que pode estar no mesmo ambiente de trabalho ou numa festa”, ela ressalta.

Qual a pena para quem for enquadrado?
Em um homicídio não qualificado, a pena é de seis a 20 anos – para feminicídio, a pena é de 12 a 30 anos, como outras formas qualificadas de homicídio. A pena pode ainda ser aumentada em ⅓ ou até 50%, chegando a até 45 anos – se o feminicídio acontecer durante a gestação ou até nos três primeiros meses depois do parto, contra menor de 14 anos, maior de 60 ou mulher com deficiência ou se acontecer na presença de ascendentes ou descendentes da vítima.

A morte de travestis também pode ser enquadrada como feminicídio?
Segundo a promotora Márcia Teixeira, as mulheres trans, travestis e transexuais também estão protegidas pela lei. “Um enunciado da Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Copevide) traz essa orientação nacional, assim como as diretrizes do feminicídio, trabalho coordenado pela ONU Mulheres, traz essa previsão” diz a promotora Márcia Teixeira.

Feminicídio sempre é praticado pelo(a) parceiro(a)?
Não. A lei explica que se consideram razões de ser mulher quando esse homicídio acontece em contexto de unidade doméstica e familiar (não necessariamente com vínculo familiar – quando acontece em uma república, por exemplo), na entidade familiar (pode ser cometido ou tentado por um companheiro ou companheira, irmão, um filho ou um pai) ou quando ocorre numa relação íntima de afeto (namorado (a), marido, esposa ou ex, por exemplo).

Como a polícia e a justiça se adequaram?
Segundo Lívia Vaz, promotora do MP-BA e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Defesa das Mulheres e da População LGBT (Gedem) os órgãos ainda estão se adequando “Nós temos casos que são evidentemente feminicídio e estão sendo tipificados como homicídio”.

Qual a diferença entre feminicídio e homicídio passional?
As promotoras ouvidas pelo CORREIO são categóricas: não existe homicídio passional. “Ninguém mata por amor. Mata por ódio, por subjugar ou inferiorizar a vítima” afirma a promotora Livia Vaz. “Matar mulher não é crime passional. Falar em crime passional hoje é um absurdo, ele não existe. O que existe é feminicídio”, conclui a promotora Márcia Teixeira.

Por quê denunciar?
Para fazer dar apoio à mulher com medidas protetivas de urgência e para que ela seja orientada em casos de violência é necessário que ela procure ajuda através de denúncia. “Muitas vezes ela está numa situação de violência não só criminal, e nós podemos fazer uma série de medidas judiciais e não judiciais, como ajudar no processo de guarda dos filhos ou um acompanhamento psicológico”, conta a promotora Livia Vaz.

Precisa provar a denúncia de violência?
Não precisa de um boletim de ocorrência para fazer a denúncia – os advogados, a defensoria pública e o MP podem requerer as medidas protetivas sem que haja um boletim de ocorrência.

Qual o momento de procurar ajuda?
A promotora Lívia Vaz aconselha que se denuncie violência quando surgirem os primeiros sinais. “É muito raro o feminicídio acontecer sem aviso prévio. Já tem histórico de ameaça, violência psicológica ou moral”.

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