Marilena Chauí: o impeachment e o ódio de classe

“Tentam preparar uma gigantesca vitória do capital”, diz professora, na USP: “Começou em agosto de 2013. A classe dominante quer — e uma classe média proto-fascista apoia”

Por Marilena Chauí, do Outras Palavras


Este texto é a transcrição da fala feita em 16/2, no ato público de intelectuais contra o impeachment. Publicado sem revisão da autora

“Queria, por um segundo, retomar o que disse Paulo Arantes e manifestar a preocupação que tenho desde agosto de 2013 e manifesto em público, em privado e por escrito. Agosto foi o instante no qual se deu a virada em relação ao que se passara no movimento vitorioso do Passe Livre. Quando os meninos tentaram, com seus símbolos e bandeiras, comemorar na avenida Paulista, foram batidos e ensanguentados por pessoas vestidas com a bandeira do Brasil e que diziam: ‘meu partido é o meu país’.

Já vimos, os mais velhos, esta cena acontecer no Brasil, em 1964. O processo de impeachment é apenas a cereja no bolo de um processo muito mais longo e complicado que vem ocorrendo. Queria lembrar que certos projetos de lei que tramitam na Câmara e no Senado deveriam ter sido objeto também de manifestações gigantescas. A mudança na maioridade penal. A ‘Lei Anti-terrorismo’, que não vai pegar apenas nós, que estamos reunidos aqui. Os primeiros, mostra a fala do Ronaldo Caiado, serão os meninos do MST.

Está sendo preparada no Brasil uma gigantesca vitória, na luta de classes, do capital. A tentativa de impeachment apenas coroa este longo processo. Não é por acaso que, quinze dias atrás, Fernando Henrique Cardoso deu uma entrevista na qual dizia: ‘o mercado é favorável ao impeachment’. Acho fantástico um sociólogo daquele porte dizer ‘o mercado’… (risos), como se fosse um ente existente em si, por si, uma entidade metafísica! (apalusos). A classe dominante quer e a classe médio proto-fascista, que existe neste país, apoia. No Brasil, o autoritarismo não é uma questão política, mas uma característica estrutural de uma sociedade oligárquica, vertical, hierarquizada, que opera exclusivamente com os princípios da desigualdade e do mando e obediência. É esta sociedade que está sendo puxada para colocar a cereja em cima do bolo.

Por isso, o ato unitário e apartidário é essencial como defesa da democracia. Significa, no Brasil, a defesa dos explorados, dos humilhados, dos oprimidos, daqueles que são, há mais de quinhentos anos, o sustentáculo da riqueza deste país e a fonte de todo o sofrimento existente aqui. É contra eles que a classe dominante está se mobilizando neste país, tendo sempre como seu acompanhante favorito esta classe média autoritária e proto-fascista.

Amigos, amigas, temos uma tarefa histórica. Não é apenas esta luta aqui e agora para impedir o golpe. É uma luta na qual nós vamos explicar que se o golpe vier, não só os experimentos de justiça social vão desaparecer. Se o golpe vier, nós teremos, por conta de toda a discussão em torno do terrorismo internacional, uma ditadura que nos fará imaginar que a de 1964 foi pão doce com bolacha (aplausos e risos).

Este ato não é apenas para nós garantirmos a nós mesmos que não estamos passivos. Este ato é e tem de ser, para nós, o primeiro passo de uma luta histórica que começa contra o golpe e prossegue como luta pela democracia e por justiça social. A luta continua!”

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