Massacre que marcou a luta contra o Apartheid faz 50 anos

Hoje com 69 anos, o aposentado Nehemiah Tsoane era apenas um jovem estudante quando, há 50 anos, o distrito onde morava, ao sul de Joanesburgo, foi marcado por uma das maiores tragédias da história da África do Sul. Tsoane estava entre os 20 mil negros que na manhã do dia 21 de março de 1960 deixaram suas casas em direção à delegacia local de Sharpeville para protestar contra a discriminatória Lei do Passe, que obrigava todos os não-brancos a portarem uma caderneta (passe), onde constava sua cor, etnia, profissão, situação na receita federal e que restringia o acesso aos bairros brancos da cidade.

 

Os feridos reunidos em Sharpeville, perto de Vereeniging, onde pelo menos 180 negros africanos, a maioria deles mulheres e crianças, ficaram feridos e 69 foram mortos pela polícia sul-africana (Foto: AFP)


Mais de 20 mil pessoas se aglomeraram na delegacia de Sharpeville. Era para ser uma manifestação pacífica, mas um grupo de policiais, sem saber como controlar a multidão, abriu fogo contra os manifestantes, matando 69 e ferindo mais de 180, incluindo mulheres e crianças.

 

O episódio ficou conhecido como o Massacre de Sharpeville. Hoje a data é feriado político, quando se comemora o Dia Nacional dos Direitos Humanos.

 

Lei do Passe

Na época, o país vivia sob o sistema do Apartheid, e a Lei do Passe concedia a polícia o direito de prender quem fosse flagrado na rua sem a caderneta de identificação.

 

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Após o massacre, onda de protestos tomou conta do país (Foto: AFP)


“Não podíamos caminhar sequer cem metros sem esse maldito passe. Se um policial visse, era cadeia na certa. Para entrar num bairro branco depois das dez da noite, era necessário pedir uma autorização especial ao governo”, lembra Tsoane.

 

A resposta dos negros veio num boicote organizado por partidos de esquerda, que estimulou a população a deixar o passe em casa e caminhar até um posto policial para se entregar voluntariamente. 

Fora da África do Sul, o massacre teve grande repercussão na imprensa internacional, e o Apartheid foi condenado pela maioria dos países como um sistema violento e racista. Em memória à tragédia, a ONU – Organização das Nações Unidas – instituiu 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

{xtypo_quote_left}Deixei o local por algumas horas e quando voltei presenciei aquela cena horrorosa. Era sangue por toda parte e muitas ambulâncias”{/xtypo_quote_left}

 

Tsoane nunca mais esqueceu aquele dia de terror. “Eu escapei porque fui ao centro da cidade comprar algo para comer. Deixei o local por algumas horas e quando voltei presenciei aquela cena horrorosa. Era sangue por toda parte e muitas ambulâncias”, lamenta o aposentado. 

O massacre de Sharpeville ocorreu 12 anos após a criação da política oficial de segregação racial – o Apartheid – pelos brancos africâneres, em 1948, e soou como um alerta à comunidade internacional para as crueldades a que eram submetidos os negros sul-africanos.

 

Estado violento
De acordo com o professor de política da Universidade de Joanesburgo, Piet Croucamp, após o incidente, o Apartheid deixou de ser encarado apenas como um sistema político opressor, mas como um Estado violento.

{xtypo_quote_left}O massacre precedeu uma série de manifestações pelo país e deflagrou uma guerra entre população civil e Estado”{/xtypo_quote_left}

“O massacre marcou uma mudança de posicionamento principalmente dentro do país, pois precedeu uma série de outras rebeliões importantes nas periferias. Podemos dizer que ele deflagrou uma guerra entre população civil e Estado”, analisa Croucamp. 

Mesmo assim, Tsoane ressalta que pouco mudou, na prática, para os negros nos anos seguintes ao massacre. “A diferença foi que podíamos procurar emprego sem precisar carregar o passe. Também não houve certo relaxamento dos policiais, mas a caderneta continuou a existir”.

 

 

Oficialmente, ela só foi extinta em 1986, e apenas no início dos anos 90 foi definitivamente substituída pela carteira de identidade usada atualmente. De lá pra cá, a África do Sul mudou muito.

 

O país – que em junho vai sediar a Copa do Mundo de futebol – assistiu a chegada de Nelson Mandela ao poder em 1994, acompanhou a formulação de uma nova Constituição Nacional que abraça todas as raças e etnias, e mantém eleições presidenciais de cinco em cinco anos. É hoje um dos maiores exemplos de Estado livre e democrático dentro do continente africano. 

“Somos um país completamente diferente. Ainda moro em Sharpeville, mas por opção própria. Se tivesse dinheiro, poderia comprar uma casa no centro da cidade ou em qualquer outro lugar que desejasse. Quem decide para onde vou sou eu”, comemora Tsoane.

Fonte: G1

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