Mercado de trabalho para pessoas trans, realidade ou utopia no Brasil?

Não seriam estas oportunidades de marcar um posicionamento positivo no mercado e de estar na vanguarda?

Por Liliane Rocha, do HuffPost Brasil

 

Recentemente, recebi o convite de uma reconhecida revista que pautaria as dinâmicas, avanços e desafios das empresas na temática pessoas trans no mundo do trabalho. Primeiramente, fiquei super feliz, pois alguns temas são um verdadeiro tabu na sociedade brasileira, e isto impacta drasticamente os avanços esperados dentro das empresas.

Por outro lado, fiquei em dúvida se deveria realizar a conversa, pois sou uma fã incondicional do “local de fala”. Acredito que é fundamental que, dentro de cada tema e grupo de diversidade, possamos assegurar o protagonismo das pessoas que vivem na pele a cada dia os dilemas e barreiras impostos pela sociedade simplesmente por serem quem são.

Depois de pensar um pouco, e lembrar de algumas situações emblemáticas em relação a essa temática que presenciei e continuo presenciando nas empresas, achei que haveria uma boa contribuição a ser dada. Há 13 anos acompanho os avanços de diversidade, no contexto LGBT+, sou questionada sobre estes temas e tento, junto com as pessoas, construir respostas, novos caminhos e uma sociedade mais inclusiva.

Além disso, seria uma oportunidade incrível de indicar pessoas trans que eu admiro profundamente para eventuais bate-papos com a revista, agora ou no futuro, tais como Amara Moira e Marcia Rocha. Além de especialistas na temática LGBT+ que têm feito diferença nos avanços, inclusive jurídicos no Brasil, como a amiga e advogada Renata Hollanda e as especialistas Ana Carolina Borges e Rachel Rocha.

A primeira barreira que encontramos para falar do tema é a falta de entendimento das pessoas sobre questões relacionadas à sexualidade. Palavras e sentidos tais como identidade, orientação, expressão e sexo biológico acabam se misturando no imaginário rotineiro das pessoas.

Vejamos sexo biológico (aquele com o qual o indivíduo nasce), a orientação sexual (a atração por homens ou mulheres), identidade de gênero (identidade do indivíduo como sendo do sexo masculino ou feminino) e a expressão da sexualidade (a forma como o conjunto que compõe o indivíduo será expressa na sociedade).

Pautando-se nos Princípios de Yogyakarta, que é a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero:

“A identidade de gênero é a experiência individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento. Inclui o sentimento em relação ao seu corpo, que pode, por livre escolha, envolver a modificação da sua aparência ou função corporal por meios médicos ou cirúrgicos, por exemplo. Além disso, pode envolver outras expressões de gênero, como vestimenta, modo de falar e maneirismos.”

O tema é de difícil discussão nas empresas, e este fato possivelmente é um reflexo da sociedade em si. Segundo estudo da Transgender Europe, o número de mortes por motivo de transfobia no Brasil, de janeiro de 2008 e julho de 2016, foi de 868. Esse número é três vezes maior do que os dados apontados no México, que teve 256 mortes por transfobia. O que nos coloca, infelizmente, como o país número um em assassinato de pessoas trans.

Atualmente, não há pesquisas ou censos que apontem qual a parcela dessa população que está dentro das maiores empresas brasileiras. Mas os casos individuais têm me chamado atenção. As questões perpassam pela discussão de que banheiro o profissional pode usar, por qual nome será tratado ou tratada. Pela preocupação se o cliente final (seja uma pessoa física ou jurídica) se recusará a ter como interface um(a) profissional trans, entre outros aspectos que vão além do fato de abrirem ou não oportunidades para esse público.

As orientações que tenho dado às empresas são simples. Converse e dialogue. Enfatizo que, no caso do banheiro, como o do nome social, o que vale é o processo declaratório. A pessoa deve ser chamada da forma como se apresenta, pelo nome que escolhe, e assim por diante.

O que mais tenho dito para empresas que seguem se recusando a contratar pessoas trans com receio dos dilemas, sejam internos, ou com clientes (CPF´s Ou CNPJ’s) é, em primeiro lugar, a importância de cumprir o seu papel fundamental na valorização do ser humano. E de um direito básico que é o acesso ao trabalho.

Em segundo lugar, explico que a empresa está indo contra a lógica do mercado ao deixar de contratar o profissional mais competente para a vaga, que já com suas habilidades técnicas e comportamentais aprovadas, é vetado – sem que isto seja feito oficialmente – por algum quesito de diversidade.

Não faz o menor sentindo. Por que essa lógica diz que a empresa pode estar incorrendo na prática de contratar um segundo profissional menos competente e adequado à posição pelo simples fato deste ser cisgênero. Ou seja, um indivíduo que se identifica, em todos os aspectos, com o seu “gênero de nascença”. Qual a relevância real deste fator no desempenho das funções? Não há. As justificativas em geral são apenas uma série de receios de lidar com situações novas naquele contexto corporativo.

Além disso, não seriam estas oportunidades de marcar um posicionamento positivo no mercado? Estar na vanguarda? Ser referência? Bem, um estudo da Universidade da Califórnia diz que três em cada mil crianças apresentam a questão de identidade de gênero. Dados como este nos mostram que esse debate, bem como os avanços em reconhecimento aos direitos dessa parcela da população, vieram para ficar.

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