Mestranda brasileira é idealizadora de exposição em New York que protagonizará mulheres negras brasileiras

Sandra Regina Barbosa Soares Coleman, mais conhecida como Sandra Coleman, a rainha negra. Fala fluentemente três idiomas e está estudando a língua francesa. Está no último ano de mestrado na SUNY New Paltz, New York.

Do Amanda Martins Web

Mulher negra brasileira, nasceu em São Gonçalo, Região Metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Sua família é formada pela irmã mais nova e sua mãe.

Sandra visa enaltecer mulheres negras, e vem causando notória movimentação nos cenários brasileiro e norte-americano por ser a  idealizadora de uma exposição sobre mulheres negras brasileiras, nos EUA.

Sandra Coleman

Sandra vem de uma família muito pobre, seu pai trabalhava e recebia muito pouco, o que fez com que a mãe  tivesse que trabalhar também. A família residia em um único quarto, a vida não lhes sorriu muitas vezes.

Ela tinha  8 anos de idade quando sua mãe começou a lavar roupas para treze famílias e ela ajudava, foi o seu primeiro trabalho. Nos finais de semana, a família aumentava  a renda fazendo salgadinhos para vender com os restos de carne que seu pai trazia do trabalho. Os salgadinhos eram vendidos por Sandra nos salões de beleza nas redondezas de casa. Momento de ganhar roupa nova era, somente, no natal. Nos demais dias, ela usava roupas emprestadas das  amigas brancas que moravam em sua rua.

Por volta dos 10,12 anos, Sandra  tinha o costume de escutar as mães das amigas brancas dizerem que ela era a filha que elas gostariam de ter, mas não tiveram. E ela se enchia de orgulho.

Hoje, ela afirma entender o motivo pelo qual elas diziam isso. Todas estudavam na mesma escola, mas ao chegarem, as amigas brancas iam para o quarto estudar e ela ia lavar louça, comparar cigarro, ia fazer jogo do bicho, encerar o chão e muitas outras coisas.

Era vista e tratada como uma serviçal e não sabia. Fazia tudo isso para ganhar um pedaço de bolo e um copo de coca-cola. Pois, na sua casa o refrigerante só entrava sia de domingo e era um copo para cada um e se sobrasse a sua mãe dividia, no almoço do dia seguinte.

O racismo

“Quando fiz 19 anos uma amiga branca conseguiu emprego em um banco. Fui perguntar a ela se ela podia me ajudar a conseguir um emprego também, e ela me respondeu que não. Que ela precisava era arrumar clientes para o banco e não emprego pra mim. Algum tempo depois ela casou e não me convidou pro casamento dela, eu fiquei sem entender o porque. Mas…. três meses depois, ela me convidou pra ir fazer faxina na casa dela, e eu fui feliz da vida.”  Relata Sandra Coleman.

Aos 19 anos, Sandra tinha o sonho de entrar para a universidade, mas perdera o seu pai para o alcoolismo, então não tinha quem a orientasse e dispara:

“Eu era completamente conformada com a situação que o branco tinha imposto na minha vida. Todos os brancos ao meu redor falavam que universidade era besteira, que estava cheio de engenheiro limpando rua. Quando muitos anos depois começou as “cotas” nas universidades publicas, eu fui induzida a ser contra as cotas. Meus amigos brancos falavam que as “cotas” não eram necessárias porque “éramos todos iguais. Esses mesmos amigos que diziam que universidade era besteira, alguns eram da mesma família que aos domingos quando eu chegava na casa deles, eles diziam “escureceu tudo”, ou “chegou a macaca”. Eles são vizinhos da minha mãe até hoje. E quando eu estive no Brasil em junho/2017, fui convidada para ir almoçar na casa deles, mas…. não consegui passar do portão da casa da minha mãe porque me lembrei do que eles fizeram/faziam comigo no passado.”

Mulher negra no mundo

Atualmente, Sandra mora em New Paltz, uma cidade pequena que fica a uma hora e meia da cidade de Nova York. Onde mora com o marido.

Ainda no Brasil, a  mestranda  trabalhou como doméstica, faxineira, garçonete de churrascaria, professora de escola primaria em Goiânia e recepcionista de consultório dentário.

Ficou desempregada por quase dois anos, e foi nesse período que conheceu o Ivanir dos Santos , contou sua história  e Ivanir disse que iria ajudá-la e que ela iria longe.  Sendo assim, ela foi  trabalhar no Instituto Palmares de Direitos Humanos, uma ONG do movimento negro.

Através do seu trabalho na ONG,foi para Brasília participar de um seminário sobre desigualdade racial,  em abril de 2005. Nesse seminário conheceu o seu marido, “Dr. Major Coleman” advogado, PhD em ciências sociais e na época professor na PenState em State College, Pensilvaina.

Durante o seminário falaram somente um “oi”, pois ela não falava inglês, e ele não falava  português. Em outubro do mesmo ano, a ONG fez um jornal que foi mandado para todas as pessoas que ela havia  conhecido no seminário. O Major achou que ela era estudante. O jornal tinha uma foto dela, e o Major decidiu entrar em contato, que resultou no início do namoro.

Ele veio visitá-la e em maio de 2006 , ela passou um mês nos EUA, retornou ao Brasil e em julho de 2007 entrou nos EUA com o visto de noiva. Se casaram  em agosto de 2007 em State College, Pensilvânia, e em julho de 2008,  se mudaram para New Paltz, NY, onde vivem até hoje.

Vitórias

“Casei sem falar uma palavra em inglês, ele aprendeu português falando comigo. Em agosto do ano de 2009, comecei no curso de inglês na SUNY – New Paltz, Universidade do Estado de Nova York, onde uma vez fui eleita melhor aluna. Em maio de 2015 recebi meu bacharelado em espanhol. Em agosto de 2015 comecei meu mestrado. Agora estou no último semestre do mestrado em Humanistic/Multicultural Education.” Afirma com muito orgulho a mestranda.

A mestranda alega que sempre sofreu racismo, e vivendo fora do Brasil aprendeu mais ainda a proporção do racismo no Brasil. No entanto, o cenário se perpetuava na universidade nos EUA e ela relata:

“Enfrentei muito racismo em sala de aula na universidade também. Um exemplo, uma vez uma professora foi explicar a palavra “extrair”, então ela apresentou um Power point com uma mulher branca com a mão no rosto e com dor dente. Essa mulher branca ia ao dentista, o dentista extraia o dente da mulher. E ela se tornava negra, sem os dentes da frente, toda suja. Eu quase infartei dentro de sala de aula. Eu era a única aluna negra na sala de aula, segurei as lágrimas. Chorei em casa por uma semana. Depois fui falar com a professora, e tivemos uma pequena discussão, e ela não entendeu o quanto o Power-point dela era racista.

Com brasileiros, eles ficam surpresos quando me encontram. Uma vez, numa igreja, uma brasileira falou que eu falava português muito bem, e me perguntou onde eu tinha aprendido. Uma outra, achando que eu não falava inglês, o marido perguntou onde meu marido tinha me conhecido, e ela disse que meu marido tinha me conhecido “na noite em Copacabana”.

Sandra diz superar o racismo com muita garra determinação, força, amor, orgulho de ser negra e terapia. O trabalho desenvolvido por sua  psicóloga, o amor do  marido e o suporte (amizade) dos amigos tem sido fundamentais para que ela consiga viver a vida.

Desafios da comunidade negra

Na visão da mestranda, um dos maiores desafios da comunidade negra é a união. Entender que são negros, entender que o racismo existe, praticar a sororidade e conhecer a história do nosso povo para não propagar as atitudes racistas com nossos irmãos e conosco. Disse ter provocado imensa reflexão em uma mulher…uma senhora negra, que repetia uma fala racista e ela retrucou : “a senhora sabia que seu avô foi escravizado?” Sandra afirma que a mulher emudeceu, ficou em choque.

 

Sandra Coleman e as  mudanças

“Estética – Ao usar meu cabelo natural muitas mulheres na minha igreja passaram a deixar o cabelo natural. Em 2012, eu raspei a cabeça, e para a minha surpresa cinco mulheres fizeram a mesma coisa, e deixaram o cabelo crescer natural.

Mestrado – quando eu comecei no mestrado, eu visitei uma escola numa comunidade em Niterói. A professora havia me falado de uma aluna de 14 anos, que dizia o tempo todo que ela queria ser mãe porque as amigas eram. A minha visita mudou completamente a ideia da menina.” Segundo a mestranda.

Exposição Black Brazilian Women: Presence and Power

“Em julho a universidade onde estudo recebeu uma media de 80 brasileiros brancos. Uma semana antes das aulas começarem, comentei com minha professora Ann Dean, uma branca porreta, que eu gostaria de fazer uma exposição sobre mulheres negras brasileiras. A principio, a ideia seria sobre as mulheres negras no período da escravidão.

No dia seguinte parei com a ideia do tempo da escravidão e decidi fazer sobre mulheres negras contemporâneas. Brancos amam falar sobre escravidão. Mas, na universidade nó só temos 5% de alunos negros, e do Brasil só vem alunos brancos. Então, decidi fazer a exposição sobre mulheres negras contemporâneas, mulheres negras bem sucedidas e famosas. Mas…. encontrei dificuldade para achar o contato delas.

Então pensei…. porque não fazer sobre minhas amigas.  Pensei no critério para selecioná-las: ser negra/preta, ter concluído o ensino superior e ter sofrido racismo.  Mas… esses critérios não contemplavam muitas de minhas amigas, porque muitas delas ainda estão na universidade, e a minha intenção era mostrar pro mundo que no Brasil existiam negras na universidade sim. Então, decidi usar o seguinte: ser negra, estar ou ter concluído o ensino superior e ter sofrido racismo. Ter consciência racial era um dos quesitos principais. Então, eu contei com a ajuda de alguns amigos, que não vou citar os nomes porque posso esquecer de alguém, para me ajudar na pesquisa.

Para minha surpresa, muitas tiveram dificuldades para falar sobre racismo e outras disseram nunca ter sofrido. Eu entendo perfeitamente, só aprendi sobre racismo aos 35 anos, e foi também aos 35 que eu descobri que era bonita, isso foi através da Daise Rosas, uma psicóloga que trabalhava na ONG onde eu fui trabalhar. Quando, eu fui apresentada a Daise, e ela disse: “muito bonita”, eu quase infartei. Fui pro banheiro e fiquei me olhando no espelho. Ninguém nuca havia me dito que eu era bonita.

Eu não imaginei que a exposição seria abraçada pela universidade. A todo momento encontro com um(a) professor(a) que fala que já sabe da exposição. Uma professora me disse que a exposição vai contra todos os estereótipos associados a mulher negra brasileira, e que é a primeira vez que ela ouve falar de uma exposição nesse nível, mostrando mulheres negras brasileiras acadêmicas.

Eu solicitei a biblioteca da universidade, que tem o nome de uma mulher negra Sojourner Truth, para comprar alguns livros de autoras negras brasileiras para ficarem expostos durante a exposição, entre elas: Conceição Evaristo, Geni Guimarães, e Elisa Lucinda. E eu vou emprestar pra biblioteca livros de autoras negras brasileiras.” Conta Sandra Coleman.

A exposição será formada com biografias de 52 mulheres negras brasileiras de diversas áreas de atuação. A mesma tem propagado um resultado muito positivo para a elevação da autoestima da mulher negra brasileira. Sandra tem recebido diversas mensagens e ligações de parabenização e apoio. O intuito da mestranda com a exposição é quebrar os esteriótipos sobre as mulheres negras. Evidenciar suas ações, inteligência, lutas e vitórias. Dar voz às rainhas negras!

Nota de escurecimento: As mulheres selecionadas estão buscando maneiras de viabilizar a ida à exposição. Muitas tem o momento como possibilidade de expandir seus horizontes, mas não possuem recursos financeiros para tal e não querem perder essa oportunidade e reconhecimento. Portanto, quem puder ajudar, colaborar de alguma forma para que estas mulheres possam estar no evento,  entrar em contato com a idealizadora da exposição.

Homenagens

“Vou homenagear as nossas “griots”: Neia Daniel, Ruth Pinheiro, Nanci Rosa, Neusa das Dores Pereira, Creuzelly Ferreira, Vanda Ferreira, Lia Vieira, Catarina de Paula, Rosa Maria de Lima, Helena Theodoro, Edilea Sylverio e Conceição Evaristo.

Também, quero fazer uma linha do tempo, onde vou por fatos importantes de tantas outras mulheres negras começando por Dandara.” Afirma Sandra.

Exposição : “Mulheres Negras Brasileiras: Presença e Poder.”

Local: Biblioteca Sojourner Truth, na SUNY New Paltz (Universidade do Estado de Nova York).

Quando: de 4 a 21 de dezembro. Inauguração dia 6 de dezembro.

Representatividade

Sandra tem como referências: Vanda Ferreira, e enfatiza o carisma e carinho da griot. Além dela, a mestranda menciona Conceição Evaristo, por sua garra e de terminação e conclui com a Harriet Tubman, que disse a seguinte frase: “Eu libertei milhares de escravos. Poderia ter libertado mais se eles soubessem que eram escravos.”

Sandra Coleman finaliza a entrevista dizendo:

“1 – Uma Rainha pode ter cabelo crespo.

2 – Meninos, valorizem a mulher negra.

3 –  “Enquanto a mente estiver escravizada, o corpo nunca pode ser livre. Eu sou alguém. Eu sou uma pessoa. Eu sou uma mulher com dignidade e honra. Eu tenho uma rica e nobre historia. Quão doloroso e explorado essa história tem sido. Sim, eu fui uma escrava através dos meus ancestrais e eu não tenho vergonha disso. Sim, nós devemos levantar e dizer: “Eu sou preta, eu sou linda.” Tradução e adaptação de um trecho de um discurso Martin Luther King Jr.

Eu continuo acreditando que uma preta sobe e puxa outra. Eu continuo acreditando que juntas somos mais fortes.”

 

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