“Meu nome é Sadiq Khan e sou o prefeito de Londres”

Filho de imigrantes, ele promete transformar a capital em uma cidade de oportunidades

Por Pablo Guimón Do El Pais

Em seu primeiro discurso depois de ser eleito prefeito, Sadiq Khan agradeceu a Londres “por tornar possível o impossível”. “Quero que todos os londrinos tenham as oportunidades que nossa cidade deu a mim e à minha família”, disse, emocionado e solene, cercado por aqueles que até ontem eram seus adversários. Um deles, o candidato do partido xenófobo Britain First, preferiu mostrar seu desprezo dando as costas ao primeiro prefeito muçulmano de uma grande capital ocidental. Um símbolo, anedótico pela relevância limitada do ofensor, de que a mensagem que Londres enviou na sexta-feira ao mundo não resolve, de uma hora para outra, os problemas de convivência em um país que enfrenta um fluxo de imigração sem precedentes.

“Meu nome é Sadiq Khan e sou o prefeito de Londres”, proclamou o novo líder da cidade ao ser empossado neste sábado. O prefeito dedicou suas primeiras palavras de agradecimento a Amanullah Khan, um motorista de ônibus paquistanês, já falecido, que emigrou para Londres nos anos sessenta para poder dar uma vida melhor à família. “Pensei muito em meu falecido pai hoje”, disse Khan. “Era um homem maravilhoso e um grande pai. Estaria muito orgulhoso. Orgulhoso de que a cidade que escolheu para chamar de lar elegeu hoje um de seus filhos para prefeito.”

Os pais do prefeito, cujas famílias haviam emigrado da Índia ao Paquistão após a partição em 1947, emigraram novamente para Londres com os três filhos mais velhos. Moravam em um apartamento de um quarto em Balham, um subúrbio a sudoeste da cidade.

Como a família aumentou, sabiam que tinham direito à assistência pública e se mudaram para um apartamento de três quartos de moradias sociais em Henry Prince Estate, no bairro vizinho de Tooting. Ali criaram seus oito filhos, o quinto dos quais, Sadiq, que dividiu um beliche com outro irmão até que saiu de casa aos 20 anos, se tornaria deputado do distrito pelo Partido Trabalhista nas eleições de 2005.

Sadiq Khan nasceu em 8 de outubro de 1970, no hospital público St. George, um dos emblemas deste bairro multicultural, com uma população muçulmana de 20% (em comparação com a média nacional de 5%). O pai foi motorista de ônibus por 25 anos e era membro do sindicato. A mãe trabalhava como costureira em casa.

Estudou com os irmãos na escola pública de Ernest Bevin, uma experiência que, como lembra, “não foi um mar de rosas”. Os chamados “Bevin Boys” eram sinônimo de problemas nas ruas ao sul do rio.

As tensões raciais eram frequentes na Londres na década de oitenta. Sadiq aprendeu a boxear com os irmãos — dois dos quais comandam hoje um clube de pugilismo —, em parte, segundo reconheceu, “para ser respeitado no bairro”. Torcedor de futebol, costuma lembrar os comentários racistas que ele e seus irmãos sofriam nas arquibancadas do Chelsea. Acabou optando por assistir aos jogos em casa e passou a torcer pelo Liverpool, “pelo bom futebol que jogavam na época”.

Sua vocação política se desenvolveu nas salas de aula e, aos 15 anos, se filiou ao Partido Trabalhista. Khan costuma atribuir ao então diretor de seu colégio, Naz Bokhari, o primeiro muçulmano à frente de uma escola secundária em Londres, o mérito de lhe ensinar que “a cor da pele ou sua origem não é uma barreira para ser alguém na vida”.

Sete dos oito irmãos de Khan frequentaram a universidade. O outro tornou-se um mecânico bem-sucedido. Sadiq era bom em matemática e queria ser dentista. Mas, finalmente, incentivado por um professor que lhe dizia que estava sempre discutindo e por influência da série de televisão L.A. Law, decidiu estudar direito na Universidade de North London.

Em 1994, começou a fazer estágio em um escritório de advocacia especializado em direitos humanos. No mesmo ano, se casou com sua atual esposa, Saadiya Ahmed, também advogada e filha de um motorista de ônibus. O casal tem duas filhas adolescentes.

Com o tempo, Khan se tornou sócio do escritório e construiu uma sólida carreira nos tribunais, defendendo vítimas de abuso policial. Seu oponente na disputa para prefeito, o milionário conservador Zac Goldsmith, não deixou escapar em sua agressiva campanha a ironia de que uma pessoa que moveu processos contra a polícia metropolitana agora vai estar no comando da mesma.

Khan deixou a profissão de advogado pouco antes de ganhar seu assento por Tooting em 2005. Em seu discurso de posse na Câmara dos Comuns, também lembrou de seu pai e de seus ensinamentos sobre a mensagem do profeta Maomé, especialmente a que afirma: “Se alguém vê algo errado, tem o dever de mudá-lo”.

Casamento gay

Khan foi criado como muçulmano, e destacou a importância da fé religiosa em sua vida. Fé que não o impediu de apoiar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, uma postura que despertou a inimizade de um segmento da comunidade muçulmana de Londres.

Depois de dois meses no Parlamento, aconteceram os ataques terroristas em Londres e, no debate acalorado sobre o radicalismo islâmico, Khan se tornou uma voz conciliadora dentro da comunidade muçulmana. Pouco tempo depois, se uniu aos cerca de 50 deputados trabalhistas que se rebelaram contra os planos de seu primeiro-ministro, Tony Blair, para limitar os direitos dos detidos suspeitos de praticar terrorismo.

Entrou no Governo em 2007, pelas mãos de Gordon Brown, e, dois anos depois, tornou-se Ministro dos Transportes. Dirigiu a bem-sucedida campanha de Ed Miliband contra o irmão David pela liderança do partido em 2010, e o líder o recompensou com o cargo de porta-voz da Justiça na oposição.

Depois da renúncia de Miliband, Khan anunciou suas aspirações para disputar a prefeitura de Londres. Conseguiu a nomeação derrotando outros candidatos que começaram como favoritos.

Foi um dos deputados trabalhistas que indicou Jeremy Corbyn como candidato na corrida para a liderança do partido “para enriquecer o debate”. O agora prefeito, no entanto, não votou nele, mas em Andy Burnham, em setembro, e deixou claro que não faz parte do grupo do novo líder trabalhista.

Ao se tornar prefeito, com uma vantagem de 14 pontos sobre seu adversário no segundo turno, o cidadão Khan quis deixar claro a fidelidade a suas origens. A esse Rosebud — a infância perdida lembrada pelo personagem de Orson Welles em sua agonia — que, para Sadiq Khan, é um bairro operário de uma cidade que lhe permitiu realizar seus sonhos. “Cresci em uma moradia social a algumas milhas daqui”, lembrava em seu discurso de posse.

“Então, nunca sonhei que alguém como eu pudesse ser eleito prefeito de Londres. Quero agradecer a todos londrinos por tornar possível o impossível.”

+ sobre o tema

Obama afirma que reanimar a economia é sua tarefa mais urgente

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, considera que...

Tribunais são enviesados contra mulheres e negros e não fazem justiça, diz advogada da OAB

Os Tribunais de Justiça são enviesados e, por isso,...

O tal “panelaço” tem cara, grife, cor e endereço, nobre, diga-se de passagem

O tal "panelaço", importado da Argentina, de que  grande...

Bresser Pereira lamenta: o Brasil enlouqueceu

Fundador do PSDB, economista e ex-ministro dos governos Sarney...

para lembrar

Escravidão e discriminação

Por Margareth Menezes     Neste momento, em...

Presidente Lula anuncia investimento em catadores de materiais recicláveis

Fonte: G1- Trabalhadores terão carros elétricos para coleta de...

Lula para Gaviões: ‘esta é uma das maiores homenagens que recebo em toda minha vida’

Presidente Lula, internado no Hospital Sírio Libanês, grava uma...

Fim da saída temporária apenas favorece facções

Relatado por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o Senado Federal aprovou projeto de lei que põe fim à saída temporária de presos em datas comemorativas. O líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA),...

Morre o político Luiz Alberto, sem ver o PT priorizar o combate ao racismo

Morreu na manhã desta quarta (13) o ex-deputado federal Luiz Alberto (PT-BA), 70. Ele teve um infarto. Passou mal na madrugada e chegou a ser...

Equidade só na rampa

Quando o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, perguntou "quem indica o procurador-geral da República? (...) O povo, através do seu...
-+=