Milhares de mulheres tomam as ruas de Paris para protestar contra a violência e o feminicídio

Cerca de 50.000 pessoas desfilaram neste sábado (23) em Paris para pedir um basta à violência sexista contra as mulheres e ao feminicídio. Atentendo a um chamado do coletivo #NousToutes – ou Todas Nós, em português -, uma “maré roxa”, tomou as ruas de Paris para dar visibilidade à causa e pressionar as autoridades a tomarem medidas concretas, no contexto do aumento alarmante do número de vítimas.

Do RFI

Grupo Mulheres do Brasil se juntou à marcha contra a violência contra a mulher e o feminicídio em Paris, na Praça da Ópera, em 23/11/2019. (Foto: Divulgação/ Grupo Mulheres do Brasil/Reprodução RFI)

Todos os anos na França, 250.000 mulheres são vítimas de violência e a cada dois dias uma mulher é morta por seu cônjuge ou ex-cônjuge. Diante dessa realidade, a organizadora da marcha, Caroline de Haas, e seu coletivo #NousToutes chamam Emmanuel Macron para decretar um plano de emergência.

“Se o Presidente da República não decidir uma mudança radical de política pública, ainda haverá violência em massa em 2020. Portanto, precisamos de € 1 bilhão de extras para combater a violência e precisamos de medidas que mudem fundamentalmente as coisas”, afirma de Haas.

Uma falta “intolerável” de profissionalismo

Entre essas medidas, elas pedem a capacitação de profissionais em contato com mulheres vítimas.

“Somos instruídas a denunciar. Mas, quando as mulheres prestam queixa, às vezes são assassinadas. Temos dezenas, centenas de testemunhos de mulheres vítimas de violência conjugal que chamam a polícia e escutam, dos policiais: ‘senhora, não nos movemos por uma vassoura quebrada’. É intolerável essa falta de profissionalismo. E não é culpa da polícia e dos policiais, é porque eles não são treinados para detectar a violência e intervir urgentemente”, diz a organizadora da marcha

O coletivo também pede a criação de um certificado obrigatório de não-violência para estudantes do ensino médio, o estabelecimento de tribunais especializados e o fortalecimento de todos os dispositivos existentes.

Participação brasileira

Muitas brasileiras radicadas em Paris, pertencentes a diversos grupos feministas ou mesmo por iniciativa própria, participam da marcha.

Uma delas é Andrea Clemente, líder do Grupô Mulheres do Brasil. Ela falou à RFI diretamente da Praça da Ópera, onde a multidão se concentrou, antes de marchar em direção à Praça da Nação.

“Para nós, do Grupo Mulheres, fazer parte desta marcha é de vital importância. A causa da violência contra a mulher é uma das nossas principais bandeiras no Brasil e no mundo. No Brasil, vai ter uma grande marcha no dia 8 de dezembro e, aqui, nós nos unimos à França nesta marcha de hoje”, diz Clemente.

Além disso, outro grupo brasileiro esteve presente. O “Mulheres da resistência”, que se formou a partir do bloco do mesmo nome, que estreou na última Lavagem da Madaleine, reuniu dezenas de pessoas na marcha.

Ao som da batucada do Bloco Verde, o grupo focou na violência doméstica, com integrantes maquiadas como vítimas de olho roxo e roupas manchadas de sangue. Não faltou nem uma noiva, que arrastava uma mala, como se não tivesse para onde ir, segurando o cartaz: “Até que a morte nos separe”. Caixões simbolizavam as três mulheres assassinadas por dia no Brasil e uma placa reverenciava a memória de Marielle Franco.

Elas também tiveram como mote a denúncia da misoginia do presidente brasileiro, por meio de cartazes reproduzindo, em francês, frases de Jair Bolsonaro: “Nunca te estupraria, porque você é feia”; “Se quiserem vir ao Brasil para fazer sexo com as nossas mulheres, fiquem à vontade”; “A mulher deve ganhar menos do que o homem porque fica grávida”; e “Sou a favor da tortura”.

Manifestação “histórica”

“Agressor, perseguidor, você está ferrado, as mulheres estão na rua”: dezenas de milhares de pessoas desfilaram neste sábado por toda a França para dizer “parem” a violência sexual, numa manifestação que já é considerada “histórica”.

Trinta marchas organizadas na França reuniram “150.000 pessoas”, incluindo “100.000 em Paris”, de acordo com o coletivo feminista #NousToutes. Já o escritório da ONG independente Occurrence contabilizou 49.000 manifestantes na capital durante uma contagem para a imprensa francesa.

“Este é o maior passo na história da França contra a violência sexista e sexual”, saudou uma das organizadoras, Caroline De Haas, em uma mensagem para a mídia.

Neste sábado, a polícia ou as prefeituras contaram ainda 5.500 manifestantes em Lyon, 2.000 em Bordeaux, e cerca de 1.650 em Estrasburgo. Em Paris, por trás da faixa presidida pela União Nacional das Famílias vítimas do Feminicídio (UNFF), várias pessoas estavam carregando cartazes exibindo a foto de sua amada morta pela violência sexual e sexista contra mulheres.

Desde o início de 2019, pelo menos 116 mulheres foram mortas por seus cônjuges ou ex-cônjuges na França, segundo uma contagem e um estudo caso a caso realizado pela agência AFP. Ao longo de 2018, o número chegou a 121 vítimas do sexo feminino, segundo o Ministério do Interior da França.

“Em 32 feminicídios, é Natal”, podia ser lido em um cartaz irônico no protesto de Paris, composta por mulheres em sua maioria, mas também por homens. A atmosfera era festiva e dinâmica.

Uma grande faixa erguida contra uma “justiça cúmplice”, enquanto uma multidão de cartazes proclamava: “estupro”, “feminicídios, nem mais”, “quebre o silêncio, não as mulheres” ou” Para mulheres assassinadas, pátria indiferente “.

Quase 70 organizações (planejamento familiar, CGT, CFDT, EELV, LFI, PS, Unef, PCF, SOS Homofobia) e muitas personalidades francesas se juntaram ao desfile em Paris. Entre elas, as atrizes Muriel Robin, Alexandra Lamy, Julie Gayet, Sandrine Bonnaire e Eva Darlan, ou Vincent Trintignant – o irmão de Marie, morto pelo célebre cantor Bertrand Cantat, em 2003.

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