Exposição de anti-souvenirs do artista e humorista Rafael Puetter, o Racfucko, tem cunho racista, de acordo com movimento negro
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No dia 12 de Abril, militantes do movimento negro organizaram ato em frente ao Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, para manifestar desconforto e repúdio às obras da “Expo Monstruário” de Rafael Puetter, o Rafucko, parte do projeto ComPosições Políticas. O Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica recebe também as obras de outros 11 artistas, entre eles, 6 moradores das favelas cariocas.
Racfucko criou produtos alusivos à violência do estado carioca contra a população negra. Entre os materiais, há um cartão postal com jovens negros em posição de abordagem policial e um carro com diversas perfurações, em lembrança aos 5 jovens assassinados com 111 tiros pela Polícia Militar. O preço do produto é de R$ 111,00.
A mercantilização de objetos que fazem alusão ao sofrimento da população preta, pobre e periférica causou revolta na comunidade negra. Robin Batista, autor de texto crítico sobre a obra de Rafucko, relata o seu desconforto com a venda do sofrimento negro. “Além do problema de tocar em uma ferida de forma insensível ao que as pessoas diretamente atingidas poderiam sentir, tornar isso um produto banaliza ainda mais a dor que sentimos”.
Para Marcos Romão, coordenador do SOS Racismo e do portal Mamapress, o problema central não é a venda dos anti-souvenirs, mas sim o racismo embutido neles. “A questão não é a mercantilização. A questão é que se está vendendo um produto racista. Se ele fizesse uma obra anti-racista e ganhasse dinheiro, não teria problema. Quanta gente não ganha dinheiro com isso. O que está acontecendo é a banalização do racismo”.
O posicionamento controverso de parte da esquerda com relação à questão racial é um tema delicado. Romão lembra inclusive de posicionamento racista tido pelo jornal O Pasquim, símbolo de resistência durante a ditadura militar, para dizer que existem diversos grupos de esquerda. “Há esquerdas e esquerdas. Há a esquerda que quer sempre colonizar e a outra que é aberta à discussão e realmente quer combater o genocídio”. Na época, o movimento negro exigiu retratação e o Pasquim se desculpou pelo ato.
Rafucko
Em sua página oficial no Facebook, o artista pediu desculpas e concedeu explicações sobre as suas intenções com a obra.
“A imagem do carro fuzilado 111 vezes é emblemática desta violência, e por isso achei que poderia usá-la como símbolo da minha crítica. Não queria, com isso, causar mais sofrimento para pessoas cuja dor eu não posso nem mensurar. Sou homem, branco, de classe média, e não sou alvo direto desta violência. Mas ela me atravessa, como humano. E tenho a consciência de que sou, assim como toda a população, co-responsável por esta dinâmica, pois as balas que saem dos fuzis de policiais são financiadas por nós. Por isso, peço desculpas às pessoas que se sentiram ofendidas e pelo impacto negativo que isso causou nas famílias que perderam entes queridos. Reconheço que deveria ter havido mais reflexão sobre estes aspectos durante o processo criativo. Espero que ainda assim consigam ver que existe lugar e urgência para todos na luta por direitos humanos e valorização da vida”.
Sobre a intencionalidade de Rafucko, Marcos Romão pensa que isso não é o ponto central. “Provavelmente não tinha a intenção de ser racista, mas o tiro foi dado e foi um tiro no pé. Se havia a intenção de ajudar as pessoas, não ajudou. Se havia a intenção de denunciar algo através do seu trabalho de arte, não denunciou. Muito pelo contrário, reforçou os preconceitos e o racismo que se tem em relação ao negro na sociedade”.
Debate no centro Hélio Oiticica e os desdobramentos
Dezenas de pessoas foram no dia 12 de Abril ao local da exposição para debater com o artista, Rafael Pueter, o Rafucko. Depois da conversa e da pressão feita pela comunidade negra, foi pedido que o vídeo e o evento no Facebook de divulgação dos anti-souvenirs fossem apagados. As obras da exposição não fazem mais parte do acervo da ComPosições Políticas desde o dia 9 de Abril, sábado.
Luana Viera, integrante do coletivo Frener, compareceu ao protesto e relata as barreiras postas para que a comunidade negra participasse do debate com Rafucko. Ela contou que enquanto a manifestação começava do lado de fora, os portões foram trancados e as senhas para a entrega de senhas para a entrada cessadas. O caminho foi pulas as janelas. “Foi doloroso ter que nos submeter a pular janelas, nos remeter a um passado doloroso de situações degradantes para ter acesso a um debate que falava de nós, sobre nossa articulação como comunidade e sermos impedidos. Eu como mulher preta, mãe de conco filhos, me senti humilhada. Meus direitos como cidadã foram totalmente violados”.
Luana recorda que muitas críticas foram feitas e pedidos foram postos. Mesmo sem a resposta oficial do artista, ela pensa que a mensagem foi transmitida. “Foi pedido para que ele fizesse uma reflexão e que escrevesse uma nova carta, mais coerente e sensata assumindo sua culpa e reconhecendo seus privilégios e também mostrasse aos seus fãs que o estão defendendo, que até ele viu que fez um desserviço e por isso não quer apoio para o trabalho que realizou”.
Composições Políticas é um projeto realizado pela Bonito e Compri em parceria com o Observatório de Favelas/Galpão Bela Maré, e conta com a colaboração do Dissidências Criativas, do coletivo Maré Vive, e do Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. ComPosições Políticas tem patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro e ficará em aberto até o dia 25 de maio.