Jornal Metro, 17/1, coluna de Cláudio Humberto. Edição de Brasília, página 04. Imagem: Priscilla Brito.
Cécile Kyenge, Christiane Taubira e agora Luiza Bairros. Ministras de estado atacadas em sua humanidade pela comunhão estreita entre o racismo, o sexismo e a sensação de impunidade. Mulheres que se recusaram a permanecer no lugar que lhes é destinado pela branquitude abjeta que, atônita, reage por meio de xingamentos. A primeira e a segunda foram chamadas de macacas. Por aqui o xingamento foi outro, dessa vez somos comparadas a uma anta porque a ministra expressou a opinião de que os jovens do rolezinho também são vítimas de racismo.
O sujeito da agressão é Cláudio Humberto, colunista do Jornal Metro, que se sentiu confortável o bastante para chamar uma ministra de estado de anta ao mesmo tempo que defende a tese de que não existiriam brancos no país. O que está subjacente a essa mensagem é a de que se não existem brancos, não é possível existir racismo. Obviamente o tiro saiu pela culatra pois a publicação do texto em si e o xingamento são expressões de uma branquitude acrítica e despreparada para lidar com as questões raciais e que ainda se fia na impunidade para expressar suas contradições e excrecências.
É assim que o tratamento desigual dispensado a negras e negros funciona, à vontade e à luz do dia e da escrita. É por isso que trabalhamos para que ele seja denunciado e portanto combatido. Nós, um coletivo de mulheres negras de pena e teclado, repudiamos o tratamento dispensado à face negra e feminina da política. Toda vez que uma de nós chega ao poder, chegamos todas. Toda vez que uma de nós é atacada e desumanizada, somos todas. Não iremos nos calar diante desse impropério que expõe ainda mais o fato de o racismo ser uma questão estrutural de nossa sociedade, ainda afeita a comportamentos escravocratas.
O respeito à liberdade de pensamento e a imunidade de crítica não devem ser usados para defender a ideia de que o racismo é apenas uma opinião. A herança racista de um país que se diz democrático está posta, nós a sentimos na pele todos os dias quando não acessamos a universidade, quando recebemos tratamento conveniente em função do racismo institucional e quando fazemos sua denúncia, assim como o fez a ministra Luíza Bairros. Estamos falando de uma realidade muito palpável, inclusive estatisticamente.
Assim, acreditamos que o autor da fala e os jornais que publicaram e republicaram o texto devem ser devidamente responsabilizados pela declaração, se não judicialmente, que sejam rechaçados publicamente. Independente da tipificação legal de crime, ética e moralmente, comete-se um delito ao desqualificar a fala de uma chefe de estado a partir da percepção de uma suposta e erroneamente presumida incapacidade apenas pelo fato de ser mulher e negra. Será que o articulista teria chamado de “anta” um político homem e branco que tivesse a mesma opinião?
Fonte: Blogueiras Negras