Modelo haitiano destaque no SPFW: “Polícia já botou arma na minha cabeça”

Aos 22 anos, Jean Woolmay Denson Pierre saiu de Port-au-Prince, no Haiti, para investir ainda mais na sua carreira de modelo aqui no Brasil – universo com o qual já trabalhava em sua terra natal.

por Gustavo Frank da Universa

Imagem: Arquivo Pessoal / Universa

Um dos destaques do São Paulo Fashion Week N46 no desfile da marca Beira, o jovem, que já marca presença na semana de moda brasileira há dois anos, contou à Universa que a experiência de desfilar na passarela do evento foi “surreal”.

“Eu nunca pensei, na verdade, que chegaria a esse ponto. Por ser estrangeiro e estar na moda, é algo bem surreal. Quando cheguei aqui, não pensei que poderia modelar, embora eu já fosse modelo lá. Eu pensei: ‘vou chegar num país diferente e não vai ter nada aqui’. Isso ficou na minha cabeça”, reflete ele, que se surpreendeu com o espaço conquistado longe de casa. “Não é toda marca que gosta de colocar modelo diferente. Por que o perfil da moda no Brasil é alto, loiro, olho claro.”

Cursando química na faculdade, Jean assume a dificuldade em conciliar a carreira com os estudos, mas afirma não perder a chance de agarrar as oportunidades que surgem no seu caminho: “A gente tem que fazer um esforço, entendeu?”, questiona.

“Estrangeiro e negro”, Jean revela sofrer preconceito diariamente e tem visto seu “medo” redobrar nos últimos tempos; seja no caminho da faculdade para a casa ou até mesmo para o treino na academia no meio do dia.

“As pessoas já falam que chegamos aqui para roubar seus empregos. Tá tão difícil que quando eu estou na academia, tenho medo. Vou comer, tenho medo. As pessoas me olham, tenho medo. Qualquer hora! Eu tô entrando na minha casa, tenho que olhar para os dois lados pra ver se não vai ter alguém que vai me matar. Fazer algo contra mim (…) É assim, as pessoas noticiam: ‘matou um negro’. Vai passar na TV, no jornal, e no dia seguinte todo mundo esquece”, comenta.

Imagem: Arquivo Pessoal / Universa

Jean relembra ainda um episódio em que sofreu intervenção policial, quando estava andando na rua: “A polícia já me parou, colocou arma na minha cabeça, achando que eu era ladrão. Tudo isso é muito triste”, relembra.

E o racismo apontado por ele não é diferente na carreira como modelo. “Ser muito negro”, “ter que cortar o cabelo para fazer o trampo” e “você conseguiria desfazer seu dread?” foram algumas das declarações às quais Jean confrontou.

“Eu quero ver todo tipo de gente negra em uma campanha. Quero ver negros de cabelo crespo, nariz grande. Não aquele negro com traços de branco. Aqueles que a televisão mostra. É preciso ter um negro que traga representatividade”.
Jean Woolmay Denson Pierre

“Por que não tem negro de dread? Vários brasileiros são assim. Nunca vi alguém que representasse esse pessoal na mídia. O negro que mostra na televisão é o ladrão. Não tem negro que tá fazendo um comercial pra cabelo”, cita ele, que já foi “rei do Carnaval” no Haiti e atualmente é embaixador da marca Olympikus aqui no Brasil.

Imagem: Arquivo Pessoal / Universa

Sobre o futuro? Jean pretende continuar com a carreira de modelo até quando der, já que “ser modelo não é para sempre”, como ele mesmo menciona.

“Ser modelo não é para sempre. Eu já pensei em várias coisas. Penso em minha própria marca, trabalhar como químico, até mesmo fazer produtos de beleza, já que engloba os dois universos. Acho que vai surgir outras oportunidades que vão me encaminhar para o caminho certo. Eu não sei do futuro. Não sei o que vou fazer amanhã. Toda oportunidade que aparecer eu vou pegar, sem hesitar”, conclui.

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