Monique Evelle, 22, fundou o ‘Desabafo Social’ em Salvador, aos 16 anos.
Voz do feminismo negro, ela é uma das 10 que fazem a diferença na Bahia.
Por Danutta Rodrigues, do G1
Filha única, organizada e dorme religiosamente oito horas por dia. Monique Evelle, 22 anos, nasceu e cresceu no Nordeste de Amaralina, em Salvador, bairro estigmatizado pela violência. Cursou o ensino fundamental em colégio particular, mas terminou os estudos em escola pública. Como uma das poucas negras em sala de aula, aos 16 anos criou o Desabafo Social para verbalizar tudo que sentia. A organização, que atua na área dos Direitos Humanos, conta com uma equipe de 96 pessoas espalhadas por 13 estados do Brasil. [No vídeo acima, Monique Evelle fala sobre racismo]
Essa é apenas uma parte da história de uma jovem considerada uma das 10 mulheres que fazem a diferença na Bahia e está entre as 30 na lista de mulheres com menos de 30 anos com futuro promissor, feita pela Revista Cláudia e Portal MdeMulher, da Editora Abril. Além disso, Monique também figura entre as 25 mulheres negras mais influentes da internet no Brasil. “Estou realizando coisas e ocupando espaços que não passavam pela minha cabeça. Eu estou na linha de ocupar espaços e criar outras narrativas”, afirma Monique.
O motivo do currículo formado com tão pouca idade? Os “nãos” que recebeu na vida. “Eu sempre queria falar sobre gênero, relações raciais e coisas afins e todo mundo dizia que as pessoas não iriam entender o que eu queria dizer. Claro, porque só tinha eu e mais dois de negros na sala. Então não iriam entender mesmo”, conta Monique.
Com muita atitude, aos 16 anos ela cansou dos “nãos” e percebeu na prática a diferença entre timidez e silenciamento. “Eu estava sendo taxada como tímida, só que na verdade eu estava sendo silenciada e eu precisava colocar para fora tudo aquilo que eu queria falar por muito tempo. Então, foi nesse contexto que o Desabafo Social surgiu”, diz.
Monique Evelle, de 22 anos, criou o Desabafo
Social para verbalizar o que queria dizer
(Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Prestes a se formar como bacharel interdisciplinar em Humanidades pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e com desejo de seguir a carreira acadêmica no futuro, Monique conta que, aos 8 anos, a mãe deu um livro chamado “Por Uma Semente de Paz”. Esse livro narra a história de uma professora que conseguiu mudar a realidade da comunidade e muitos estudantes. Por conta disso, a jovem despertou a vontade de ser professora.
“Eu tive a sorte de ter uma mãe que sempre contou histórias de princesas negras para mim”, lembra. E toda vez que eu chegava em casa chorando, porque me xingaram por causa do cabelo, da cor da pele, coisas assim, minha mãe contava histórias de princesa que pareciam comigo para eu parar de chorar”, revela. Monique conta ainda que o suporte dos pais foi fundamental para poder colocar em prática o Desabafo Social e todos os outros projetos. Eles figuram na lista da jovem como exemplos de vida, ao lado de Vilma Reis, Jamila Ribeiro, MC Soffia e George Vitor, de 13 anos, garoto que mora no mesmo bairro que Monique Evelle e voluntário do Desabafo Social.
Sede do Desabafo Social fica em frente à Casa de
Jorge Amado, no bairro Rio Vermelho, em Salvador
(Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Desabafo Social
O projeto já beneficiou cerca de 12 mil jovens ao longo de seis anos. A estimativa de Monique Evelle contempla atividades realizadas em escolas, espaços fechados e também ao ar livre. A organização se divide em três eixos: educação, comunicação e empreendedorismo.
“George Vitor, por exemplo, é um menino de 13 anos que quer ser MC e cada dia eu aprendo com ele. Uma vez teve uma briga na rua e ele foi tentar resolver e me chamou, ficou todo sério e aí depois falou assim ‘Não, deixa pra lá, ele está fazendo isso com a gente porque ele ainda não descobriu que é negro’. Eu nunca sei o resultado que está tendo a ação do Desabafo. Aí quando você vê uma resposta dessa, tranquila, sem briga, ele entendendo seu lugar no mundo, eu disse ‘Meu Deus do céu, também quero ser você’”, revela Monique.
O Desabafo Social desenvolve diversos projetos como o Na Roda, que é um espaço de debate, bate-papo; o Escambo de Ideias, que acontece como videoconferência e ao vivo; o projeto Redes Vivas, que é com foco em pessoas negras e trans, onde são mapeadas redes de saúde e assistência mais próxima da pessoa, entre outras ações e atividades.
“Agora a gente vai lançar uma plataforma de educação a distância e já começamos com o projeto que a gente chama de Inventividades, que é muito tirar o projeto do papel e colocar em prática com o mínimo de recurso possível que você tem para fazer alavancar o projeto”, revela Monique. “Isso porque o Desabafo começou em uma folha de ofício e hoje estamos ganhando o Brasil”, completa.
Com uma equipe formada por 92 voluntários no país, sendo a mais jovem uma garota de 15 anos, o Desabafo Social quer transformar a realidade de crianças, adolescentes e jovens através da educação e comunicação na área dos direitos humanos .
Monique Evelle criou linha de produtos da Kumasi
(Foto: Reprodução/Site Kumasi)
‘Se a coisa tá preta, a coisa tá boa’
Além do trabalho com o Desabafo Social, Monique Evelle também criou uma plataforma para empreendedores negros, a Kumasi. A ideia surgiu a partir de uma frase dita em uma das palestras da jovem e que estampou uma camisa feita por ela.
“Em 2014 eu fiz uma palestra que eu falei ‘Se a coisa tá preta, a coisa tá boa’, porque as pessoas falam sempre em tom pejorativo. Se a coisa tá preta é porque sempre deu errado. Tudo relacionado a preto é coisa ruim. Se tá preto é porque tá bom, e essa frase viralizou”, explica.
Após circular com a camisa que tinha a frase, Monique percebeu o interesse das pessoas e enxergou a possibilidade do Desabafo Social ser sustentado com a venda de camisas com frases afirmativas.
“Tem muitos empreendedores e empreendedoras negras em Salvador que já estão nisso há muito tempo e não conseguiram alavancar os seus negócios. Então, surgiu a Kumasi, que é mais um market place para empreendedores negros”, define.
Atualmente, são 11 empreendedores na plataforma e já foram realizadas três rodadas de negócios na linha de formação. “Então a Kumasi surgiu nesse contexto de sustentar o Desabafo e também garantir que ela banque outros projetos que já existem”, conclui.