Morre a poeta Tula Pilar, seguidora de Carolina Maria de Jesus

Uma poeta negra, mineira, que trabalhou como doméstica e transformou a vida em poesia. Essa descrição pode lembrar Carolina Maria de Jesus, autora conhecida pela obra “O quarto de despejo”. No entanto, essa mesma história se repete com a trajetória da poeta Tula Pilar, 49, que morreu na tarde desta quinta-feira (11).

Segundo comunicado da família, há uma semana Tula não se sentia bem, com falta de ar. Esta tarde foi levada ao Pronto Socorro Dr. Akira Tada, em Taboão da Serra, Grande São Paulo, após passar mal. As informações iniciais apontam que sofreu uma parada cardíaca e os médicos não conseguiram reanimá-la. Ainda não há previsão sobre o sepultamento e a família pediu apoio para pagar a cerimônia.

Tula Pilar nasceu em Leopoldina, Minas Gerais, em 1970. Mudou-se para São Paulo aos 19 anos, e trabalhou como empregada doméstica em várias mansões da capital.

“Já fui babá, copeira, arrumadeira, cuidei da casa, da comida e das crianças, assim, eu,  Tula Pilar Ferreira começo a contar minha trajetória”, declarou a poeta em entrevista ao Nós, mulheres da periferia.

 

Em 2014, Tula Pilar se apresentou no auditório do jornal Folha de S. Paulo, durante comemoração dos quatro anos do blog Mural.

Seu contato com a poesia se deu em andanças por eventos culturais e ruas das periferias. “Eu passava e via um povo reunido no microfone, e falava: ‘Meu, o que esse povo fica fazendo aí?’”. Na primeira vez em que Tula se apresentou em um sarau, a poesia declamada foi a que conta a sua chegada a São Paulo.

Pedro Lucas de Lima, 22, seu filho, a acompanhava desde os sete anos nos eventos. “Ela sempre escreveu, a vida inteira, tem até os diários dela. Tudo em forma de poesia. Ninguém nunca leu uma página, mas ela sempre escreveu, o que a levou a participar dos saraus”.

Foi no início dos anos 1990 que o poeta Marco Pezão a levou para o Sarau do Binho, antes conhecido como a “Noite da Vela”, e no Garajão, o antigo Cooperifa.

Suzi Soares, produtora do Sarau do Binho, lembra que Tula nunca se contentou com a vida que tinha como empregada doméstica e enfrentava com ousadia as patroas. Por isso, buscava se desenvolver como artista.

“Criou três filhos sozinha, ‘sem ajuda de macho nenhum’, ela falava”. “Nada tirava sua alegria e gana por viver. Estava sempre num processo de aprendizagem, seja na dança, no canto ou para tocar um instrumento”.

“Todos a conheciam nos rolês culturais. Ela gostava do glamour das festas, das biritas e dos babadinhos”, conta Suzi. “Pilar era teimosa, ousada, criativa, alegre e sempre dizia que teria 29 para sempre. Assim eu me lembrarei dela, com seus eternos 29 anos, sempre sorrindo”.

Tula participou da Flig (Festa Literária do Grajáu) nas últimas semanas (Alessa Melo/Flig)

Tula foi vendedora da revista “Ocas” e é autora dos livros “Palavras Inacadêmicas”, produzido de forma independente em 2004, e “Sensualidade de fino trato”, publicado pelo selo do Sarau do Binho em 2017. Também teve participação em obras coletivas, como o “Negras de Lá, Negras Daqui”, lançado em fevereiro deste ano.

Nas redes sociais, dezenas de manifestações demonstram a importância da trajetória de Tula para a cena cultural das periferias de São Paulo.  “Hoje, quando recebo os aplausos nas apresentações, gostaria muito que as antigas patroas estivessem na plateia e vissem onde cheguei”, declarava Tula.

Os veículos da Rede de Jornalistas das Periferias publicou nesta quinta-feira (11) um texto em homenagem a Tula.

Lucas Veloso é correspondente de Guaianases

Karol Coelho é correspondente do Campo Limpo

Rômulo Cabrera é correspondente de Suzano

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