Morre em Salvador a líder religiosa Makota Valdina

A educadora, líder religiosa e militante da causa negra, Makota Valdina, 75 anos, morreu na madrugada desta terça-feira (19), em Salvador. Segundo a família, Makota estava hospitalizada há um mês, no Hospital Teresa de Lisieux. Ela teria dado entrada na unidade com dores causadas por pedras no rim,  mas, durante a internação foi constatada um abcesso no fígado e, no domingo, Makota sofreu uma parada cardio-respiratória. Ela entrou em coma e não resistiu.

O corpo será velado no Cemitério Jardim da Saudade e o enterro está previsto para ocorrer às 15h30. Makota não deixa filhos biológicos, mas ficam muitos sobrinhos que ela considerava como filhos. “Ela era a mãe de todo mundo aqui. O que ela sempre pediu foi que a gente perpetuasse o legado e os ensinamentos que ela deixou perante a religião e a luta dos negros”, disse o sobrinho Júnior Pakapym.

Professora aposentada da rede pública municipal de Salvador, ela foi membro do Conselho Estadual de Cultura da Bahia. Nasceu e cresceu no bairro Engenho Velho da Federação. “Tenho orgulho de ser do Engenho Velho. Meu umbigo está, literalmente, enterrado aqui”, disse, em entrevista ao CORREIO, em 2013.

Ambientada na religião de matriz africana desde pequena – sua mãe era do candomblé – Makota só aderiu ao candomblé nos anos 70, quando tomou consciência do racismo. Coincidentemente, era o mesmo ano de surgimento do Movimento Negro Unificado e do Ilê Aiyê. Makota é o cargo religioso ocupado por ela no terreiro de candomblé Tanuri Junsara, de Nação Angola, espécie de conselheira da mãe de santo e responsável por cuidar da casa. “Makota é porque eu resolvi, conscientemente, empunhar a bandeira da militância, não como educadora que eu era, mas como religiosa do candomblé”, disse, em entrevista ao CORREIO, em 2013

Sua vida é retratada no documentário Makota Valdina – Um jeito Negro de Ser e Viver, que recebeu o primeiro Prêmio Palmares de Comunicação, da Fundação Cultural Palmares, na categoria Programas de Rádio e Vídeo. Em 2013, Makota Valdina publicou o livro de memórias intitulado “Meu caminhar, meu viver”.  Ela foi referência na luta contra o racismo e intolerância religiosa e na valorização da cultura afro-brasileira.

Ao longo de sua trajetória, Makota recebeu muitas homenagens. Entre elas os prêmios Troféu Clementina de Jesus, da União de Negros Pela Igualdade (UNEGRO), Troféu Ujaama, do Grupo Cultural Olodum, Medalha Maria Quitéria, da Câmara Municipal de Salvador, e Mestra Popular do Saber, pela Fundação Gregório de Mattos.

Makota Valdina na marcha Zumbi 300 anos (Arquivo Pessoal)

Ativista pela igualdade de direitos, e referência na preservação e valorização do patrimônio cultural afro-brasileiro, em vida, Makota via com bons olhos os novos tempos e apontava alguns avanços no combate ao racismo. “O fato da sociedade parar pra discutir e admitir que existe racismo já é um avanço. Poder discutir isso com as instâncias governamentais, e ainda ter uma lei que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas, também é avanço. Mas ainda temos muito chão a percorrer”, contemporizou, em entrevista concedida ao CORREIO, em 2013.

Mesmo constatando uma maior presença de negros nas universidades, ela ressaltava que o mais importante era rever os conceitos e as teorias dominates, construídos sobre alicerces distorcidos e carregados de preconceitos. “Somos um país de misturas. Aqui, a gente tem a cultura indígena, africana, europeia e oriental e, junto com elas, suas crenças e valores. Então, por que diminuir as crenças dos negros e índios?”, questionava para, em seguida, emendar: “Isso é racismo”.

Para Makota, o preconceito naturalizou-se de forma tão intensa que o próprio negro não se assumia como tal, por vergonha. “Ninguém quer ser aquilo que é feio ou ruim. Mas, hoje, fico feliz quando vejo os jovens voltados às suas origens. E existe esse orgulho de ser africano e negro”.

Ela defendia ainda que todo branco precisava buscar a sua negritude, assim como o negro também precisa buscar sua branquitude. “Porque houve um empréstimo. Eu sou mistura, sim. Mas tenho que me afirmar como negra; o que não faz de mim inferior”.

Ativismo
Em entrevista ao CORREIO no ano de 2015, Makota Valdina falou sobre sua preocupação com a natureza. Seu ativismo com o meio ambiente se fortaleceu em defesa do Parque São Bartolomeu, local que já foi importante para o culto das religiões afro-brasileiras.

Ela cobrou conscientização dos terreiros para a preservação da natureza, inclusive evitando o uso de velas e de materiais não biodegradáveis nos rituais. “Orixá nenhum vai querer viver na sujeira. Nem os donos do mato querem sujeira. É preciso usar a natureza com responsabilidade. O verde é vida e não é só para quem é da religião de matriz afro-brasileira não, todos precisamos dele”, afirmou.

Assista à entrevista:

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