Morre o sambista Elton Medeiros, parceiro de bambas como Cartola

Compositor, de 89 anos, também dividiu sucessos com Paulinho da Viola e Zé Ketti, entre outros

No O Globo

Elton Medeiros em frente ao quadro de Heitor dos Prazeres (Foto: Ana Branco / Infoglobo)

Um dos maiores compositores e melodistas do samba, Elton Medeiros morreu aos 89 anos. A notícia foi confirmada por Vidal Assis, último parceiro e pupilo do sambista . Ele estava internado em uma clínica de Laranjeiras e faleceu por complicações de uma pneumonia. Seu corpo será enterrado hoje no Catumbi, no Centro do Rio, às 15h30 (o velório começa às 14h).

Elton Medeiros (boné), ao lado de Vidal Assis, em 2016. Nascido no bairro carioca da Glória e torcedor do Olaria Atlético Clube, Elton foi compositor, cantor, produtor musical e radialista – Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Carioca, Medeiros é autor de clássicos como “Pressentimento”, “Peito vazio” e “O sol nascerá” — esta última, uma das mais emblemáticas parcerias com Cartola é, atualmente, tema de abertura da novela “Bom sucesso”, na voz de Zeca Pagodinho e Teresa Cristina. Ele foi parceiro também de bambas como Paulinho da Viola, Zé Ketti, Mauro Duarte, Hermínio Bello de Carvalho, entre muitos outros, de várias gerações.

No Bar e Restaurante Zicartola, em fevereiro de 1964, Elton Medeiros (de pé), com os compositores Nelson Cavaquinho (de costas, segurando o violão) e Cartola (de frente, cantando) – Foto: Agência O Globo

Uma das últimas aparições públicas do artista foi em 2017, no “Programa do Bial”, em que fez uma homenagem a Cartola. Elton estava afastado dos palcos desde 2014 quando teve um problema de visão que o levou à cegueira. A composição, porém, jamais largou (“Nunca parei de compor. Jogador de futebol é que é velho aos 40…”, afirmou em entrevista ao GLOBO em 2016 ).

Em 2001, Elton Medeiros foi homenageado e recebeu o Prêmio Shell. Na foto, ele agradece os aplausos ao lado de Jair do Cavaquinho, Elza Soares, Monarco e integrantes da Velha Guarda da Portela – Foto: Fábio Seixo / Agência O Globo

Apesar de ter nascido na Glória, foi em Brás de Pina que ele compôs seu primeiro samba, aos 8 anos. E foi lá também o início de sua trajetória no carnaval. Aos 16 anos, fundou o bloco Tupy de Brás de Pina (hoje escola de samba). Mais tarde, foi para a ala de compositores da Aprendizes de Lucas, onde ganhou sua primeira disputa de samba-enredo, em 1954.

O artista gravou alguns dos discos lendários do gênero, como “Samba na Madrugada” (com Paulinho da Viola), “Elton Medeiros” e “Quatro grandes do samba” ( com Nelson Cavaquinho, Candeia e Guilherme de Brito).

‘Carimbado’ para a música

Sua formação musical foi variada: na infância, foi integrante de um dos coros infantis criados por Villa-Lobos; na adolescência, frequentava concertos de domingo da Orquestra Sinfônica Brasileira no cinema Rex (“cansei de ver Pixinguinha tocando num bar da Galeria Cruzeiro e Radamés Gnattali na sala de espera do Odeon”, contava ao Globo em 2000).

No colégio interno, passou a integrar a banda de sopros, primeiro tocando saxhorn, depois trombone. Quando chegou perto de acabar a escola, preocupou-se: não teria dinheiro para comprar um instrumento próprio. Desabafou com maestro depois de um baile, disse que abandonaria a música, e ouviu: “Meu filho, se você já tocou até aqui é porque você nasceu carimbado. Quem nasce carimbado não pode abandonar a música. Se você fizer isso ela vai bater em você durante toda a sua vida”.

Resolveu então aceitar o carimbo. E nunca mais deixou de compor, sobretudo sambas.

Em 1965, integrou o elenco de Rosa de Ouro, espetáculo de Hermínio Bello de Carvalho dedicado a relembrar repertório de compositores como Paulo da Portela, Sinhô e Ismael Silva. Ao seu lado no palco, estavam Nelson Sargento, Paulinho da Viola, Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho, Clementina de Jesus e Aracy Cortes.

Elton Medeiros, Nelson Sargento, Paulinho da Viola, Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho e das duas damas, Clementina de Jesus e Aracy Cortes, que resgataram grandes compositores como Paulo da Portela, Nelson Cavaquinho, Cartola, Henrique Vogeler, Lamartine Babo, Sinhô e Ismael Silva.

Dono de uma personalidade forte, Elton não se furtava em fazer críticas ao rumo das escolas de samba nas últimas décadas e ao que considerava variações excessivamente comerciais do samba, como o pagode paulista dos anos 1990. Defensor da tese de que sem tradição não há evolução, ele se preocupava em ver “não só o samba, mas a música brasileira se transformando em um subproduto”, como costumava dizer.

— O brasileiro está deixando de ser bom dançarino — observava em entrevista a Mario Adnet, neste jornal, em 2000. — Vejo moças que dizem que estão sambando, mas na verdade parecem mais enceradeiras, o pé não está dizendo nada, ficam peladas para provocarem um certo erotismo mas a rítmica não rola.

Em 2001, também ao GLOBO, Paulinho da Viola dava um depoimento sobre o parceiro: “Adivinhar o sentido harmônico das melodias de Elton… São tão sofisticadas que às vezes é difícil achar os acordes. Para descobrir os caminhos harmônicos dele, a gente tem que ter muita sintonia, muita afinidade. Mas o mais importante é o resultado, a beleza da composição. A música fica com o traço dele bem definido”.

‘Causos’ que devem virar livro

Jornalista e amigo de Elton Medeiros, Moacyr Andrade registrou algumas histórias que Elton contava — ficcionais e relatos de sua vida — e reuniu um material que poderá virar um livro de contos inspirados no compositor. São “histórias de sambista”, segundo Andrade, que passou a anotar os “causos” que o compositor ditava após ele perder a visão.

— A coisa que mais caracteriza ele é a abrangência: era melodista, letrista, músico, instrumentista, pesquisador… e fazia tudo muito bem. Era dos melhores em todas as atividades — diz Moacyr Andrade — Outra característica importante dele é a sua extensão no tempo. Teve parceiros antigos e jovens, sendo um elo entre gerações do samba, e entre compositores do morro e autores mais letrados do mundo acadêmico. Fazia tudo com muito esmero e requinte.

Mundo do samba lamenta

Parceiros e admiradores de Elton Medeiros postaram mensagens nas redes sociais lamentando a morte do compositor. “Com certeza está sendo recebido com uma grande roda de samba!”, escreveu Nelson Sargento.

 

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“Éramos 5 Crioulos! O meu grande amigo, parceiro, sambista, grande mestre #EltonMedeiros foi se encontrar com os amigos #jairdocavaquinho #mauroduarte #anescarzinhodosalgueiro Com certeza está sendo recebido com uma grande roda de samba! Aquele que me chamava de Maculelê, desde os tempos do espetáculo Rosa de Ouro, deixa muitas saudades OBRIGADO AMIGO ELTON! Vá na LUZ! APLAUSOS MUITOS APLAUSOS” Nelson Sargento 👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿 Aqui no Japão os shows do mestre #NelsonSargento, que acontecerão no próximo final de semana, em #Yokohama, intitulados pelos japoneses de A verdade do Samba, serão dedicados ao nosso GRANDE POETA ELTON! #RIPELTONMEDEIROS ❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤

Uma publicação compartilhada por Nelson Sargento Oficial (@nelsonsargentooficial) em

A cantora Teresa Cristina lembrou seu “jeito de cantar diferenciado” e definiu o bamba como “Um gigante”.

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