Reza a lenda que o cineasta Orson Welles, de “Cidadão Kane”, tantas vezes listado como “o melhor filme de todos os tempos”, foi categórico ao escolher seu ator brasileiro favorito, com quem filmaria no país o inacabado “É Tudo Verdade” (1942). Ele era negro, malandro, baixinho e nem de longe lembrava a imagem do galã clássico de Hollywood. Mas o talento transbordava no mineiro Grande Otelo.
Por Leonardo Rodrigues, do UOL
Essa relação de respeito mútuo entre os ícones do cinema, que se transformaria em amizade, é um dos motes da mostra “O Maior Ator do Brasil – 100 Anos de Grande Othelo”, que chega em São Paulo nesta quinta (8), no Caixa Bela Artes, e, em novembro, parte para o Rio, para celebrar os 100 anos do nascimento do ator, que serão completados no dia 18 deste mês.
São 23 filmes em exibição, em caráter retrospectivo, de um total de 118 estrelados por Otelo em seis décadas de carreira. Entre os destaques, a paródia “Matar ou Correr” (1954), da eterna parceria com Oscarito, “Rio Zona Norte” (1957), dirigido por Nelson Pereira dos Santos, e “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade, baseado no livro de Mário de Andrade.
Problemas de conservação e brigas jurídicas
“As pessoas precisam conhecer mais. A gente vem com esse intuito de resgate. Porque todo mundo fala sobre o Grande Otelo, mas acho que as pessoas ainda veem pouco os filmes”, diz ao UOL Breno Gomes, um dos curadores da mostra, que poderia ser ainda mais extensa, não fossem problemas de conservação.
Segundo Gomes, parte do acervo de Grande Otelo, pinçado da Cinemateca Brasileira, da Cinemateca do MAM carioca, do Arquivo Nacional e do Centro Técnico Audiovisual (CTAv), não estava em condições de ser projetado. Alguns filmes nem sequer existiam mais em película. É o caso de “Moleque Tião”, primeiro longa produzido pelos estúdios Atlântida, no Rio.
E os empecilhos não paravam por aí. A aventura “Fitzcarraldo” (1982), dirigida pelo alemão Werner Herzog, por exemplo, não pôde ser trazida da Europa devido à recente desvalorização do real, que encareceu os custos de exibição.
“Os filmes da Atlântida, do Oscarito, também estavam ‘sub judice’, depois que foram adquiridos pelo Ministério da Cultura para restauração. Por causa disso, a Cinemateca Brasileira, que hoje detém os direitos, não podia liberá-los. Foi o que aconteceu com o ‘Também Somos Irmãos’. Já o ‘Matar ou Correr’ nós conseguimos programar, mas por meio de uma cópia em DVD, porque a distribuidora do DVD possui autorização para exibir.”
Os percalços na produção foram recompensados pelo esforço de garimpo. Além de clássicos, a mostra elenca obras desconhecidas pelo grande público, como “O Barão Otelo no Barato dos Bilhões” e “Família do Barulho”, produzidas na pouco revisitada década de 1970, época em que o precursor do teatro de revista já havia se transformado em astro de TV.
Em cartaz até o dia 16 de outubro em São Paulo, a mostra é oportunidade para quem tem na mente apenas a imagem do comediante escrachado e histriônico, que caiu adulto do ventre de uma índia na famosa cena de “Macunaíma”. Tal qual Shakespeare, cujo personagem lhe emprestou o apelido, o Otelo brasileiro era um multitalentos.
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“Qualquer ator ou atriz que queira enveredar pelo cinema de comédia, ou até mesmo pelo drama, tem que assistir a pelo menos uma comédia de chanchada dele”, diz Gomes. “Ele era versátil. Era músico. Um verdadeiro ator que fazia tudo. Que conseguia fazer rir à noite num teatro de revista e, na manhã seguinte, estava rodando um drama.”
Conhecido pelo caráter reto e opiniões assertivas, a ponto de mudar o roteiro dos filmes quando julgava necessário, Grande Otelo tem uma importância que vai além de palcos e câmeras. Protagonista de cinema nos 1940 e 1950, quando negros eram proibidos de frequentar ambientes como cassinos e casas de show, é considerado o primeiro artista brasileiro a nadar contra o racismo. Mesmo sem ter a exata consciência disso na época.
“O maior legado que ele deixou foi para os atores afro-brasileiros. Ele furou esse bloqueio. E, com o exemplo dele, muitos outros vieram e passaram a acreditar nisso. Ele veio para dizer que o negro também pode ser um ator e que não precisava ser só um mero coadjuvante”, diz Mario Prata, filho do ator e um dos criadores da Fundação Grande Otelo, que agrega e preserva o acervo do pai.
Serviço
Mostra “O Maior Ator do Brasil – 100 Anos de Grande Othelo”
Quando: De 8 a 21 de outubro de 2015
Onde: Cine Caixa Belas Artes – rua da Consolação, 2.423 – Consolação, São Paulo
Quanto: R$ 14 (inteira) e R$ 7 (meia entrada prevista em lei e vantagens para clientes Caixa)
Capacidade: 144 lugares
Mais informações: 0/xx/11/2894-5781 e www.caixabelasartes.com.br