Movimento Negro vencerá autoritarismo no Brasil

Ainda precisamos chegar a mais de 50% dos eleitos e, para isso, é necessário investimento dos partidos políticos para uma política em que o antirracismo não esteja apenas no discurso

FONTEPor Wesley Teixeira, Douglas Belchior, Ingrid Farias, Henrique Vieira, Iza Vicente, Romario Regis, Monica Cunha, Andréa Bak, da Folha de S.PAULO
ativistas Wesley Teixeira (esquerda), Douglas Belchior (meio) e Andressa Vicente (direita) - PerifaConnetion/Folhapress

Assim como o Black Lives Matter nos Estados Unidos foi fundamental para derrotar Donald Trump (2020), o Movimento Negro no Brasil será imprecíndivel para derrotar Bolsonaro.

A estratégia começa com uma campanha denunciando a violência vivida pela população, por meio de agitação permanente nas redes sociais, atos de rua e ação nos territórios. Nesse sentido, não se pode desconsiderar a importância da participação de famosos.

Esse movimento será possível por meio de uma aliança com diferentes setores para derrotar o autoritarismo.

No campo da política, essa movimentação da sociedade civil também evidencia a necessidade de eleger novas figuras públicas e ativistas nos espaços legislativos.

No Brasil, estamos resistindo ao genocídio da população negra há mais de 380 anos, desde a falsa abolição. Sendo que nos EUA, os afro-americanos representam 12,3% da população, enquanto que por aqui a população negra constitui 56,10% dos brasileiros.

Mesmo em maioria, ainda não temos uma representação nos parlamentos e executivos que correspondam e representem efetivamente a realidade brasileira. Por exemplo, nas eleições de 2018, foram eleitos apenas 444 políticos negros das 1.626 vagas no legislativo, expressando 27,3% do total.

Nas eleições de 2020, dos mais de 58 mil vereadores eleitos, 44,7% foram pretos e pardos. Dos 5.568 prefeitos eleitos, aproximandamente 1,7 mil eram negros, o que representa 32,9% do total.

Ainda precisamos chegar a mais de 50% dos eleitos e, para isso, é necessário que haja investimento dos partidos políticos em uma política em que se aplique o antirracismo não só no discurso, mas principalmente na prática.

Isto é, visando garantir a nossa segurança, pois nossas vidas não são descartáveis; espaço e tempo na televisão, materiais, alimentação, entre outras condições que nos permitam conduzir um processo intenso de participação popular nas periferias e centros urbanos.

Nossa democracia sempre foi estruturada no racismo e por isso nunca foi plena; não é recente a tentativa de eleição de ativistas negros, mas isso sempre representou uma ameça.

Em 1909, 30 anos após a lei da abolição, no Rio de Janeiro, Manoel Monteiro Lopes foi o primeiro negro eleito e teve seu mandato impedido, pois naquela época analfabetos, que em sua maioria eram negras e negros, ainda não votavam. Isso só foi mudar com a constituição de 1988, que considerou o racismo como crime. Constituição que agora está ameaçada.

Após anos de muita invisibilidade, as mulheres negras com suas construções vem ocupando espaço na política em maior número. Esse fenômeno é resultado do martírio de Marielle Franco, dando o recado que não aceitaremos ser interrompidos.

O crescimento do Bolsonarismo, visto ainda nas últimas eleições, não é um fator preocupante apenas para o sistema democrático, mas também um ataque à vida e aos direitos da população negra.

O Bolsonarismo põe também em xeque o crescimento da participação de negros na política nacional, inclusive quando coloca pessoas negras em posição de poder, visando questionar e desconstruir o legado de lutas do Movimento Negro.

Sabemos que a democracia só nos alcançará efetivamente quando pessoas negras ocuparem devidamente os espaços, pautando compromissos antirracistas.

Está cada vez mais nítido que avançar na agenda antirracista só será possível quando barrarmos a ascensão do autoritarismo e todos os retrocessos que o Bolsonarismo representa.

A burguesia no Brasil sempre nos colocou em lugar de servidão, da senzala, do quarto da empregada doméstica e do elevador de serviço. Ela nunca aceitou. Andamos de avião, sentamos no mesmo restaurante ou frequentamos a mesma praia!

Mas a geração que começou ocupando um espaço de poder que foi uniiversidade, graças a conquista do movimento negro de cotas racias, vai continuar ocupando a mídia a política e todos os espaços que nos foram historicamente negados, com o nosso cabelo, o nosso jeito de falar e com nossa enorme contribuição de saberes.

Autores:

Wesley Teixeira: Morador da Baixada Fluminense, integrante do PerifaConnection, da Coalizão Negra por Direitos e da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito

Douglas Belchior: Historiador, cofundador da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra por Direitos

Ingrid Farias: Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, Articulação Negra de Pernambuco, pesquisadora de gênero, raça e política de drogas

Henrique Vieira: Pastor e fundador do Coletivo Esperançar

Iza Vicente: Advogada, única vereadora negra em Macaé/RJ (REDE) e presidenta da Comissão de Direitos Humanos na Câmara Municipal

Romario Regis: Vereador em São Gonçalo/RJ e Presidente da Comissão de Cultura da Câmara Municipal

Monica Cunha: Movimento Moloque Coalizão Negra Por Direitos

Andréa Bak: Química, Ativista, Artista, Integrante do Slam das Minas, Aliança Antirracista e Assessora parlamentar

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