Mudança sem mudar

inspiração para esta crônica surgiu de uma postagem que transitou pelo Facebook. Era uma charge, gênero de extrema eficácia comunicativa. Nela, um sujeito que pode ser padre, pastor, chefe, professor ou político – em cima de um palanque – pergunta Quem quer mudança? Todos na plateia levantam as mãos. Mas na pergunta seguinte Quem quer mudar? Todas as mãos se abaixam.

por  Fernanda Pompeu no Mente Aberta

Genial, pois a simplicidade da charge aponta para uma realidade comum e extraordinária ao mesmo tempo: querer mudanças sem precisar mudar. Pois é mais cômodo reivindicar transformações no mundo, no país, na vida dos outros do que transformar a nós mesmos. Com razão exigimos transparência na vida política e poderosa, mas isso não significa que sejamos transparentes na nossa empresa, ou dentro de casa.

Um tanto parecido com o racismo no Brasil. Há evidências cotidianas de sua prática lastimando e prejudicando os pretos, os pardos, os indígenas, mas ao ser perguntado ninguém é racista. Poderíamos desenhar outra charge. Existe racismo no país? Todos erguem as mãos. Agora todas as mãos se abaixam para a segunda pergunta: Alguém aqui é racista?  Daí alcançamos uma situação curiosa e brasileiríssima: racismo sem racistas, machismo sem machistas, crimes sem culpados, mudanças sem sujeitos.

É fato que percebemos que para mudar o bairro, a cidade, o país, o mundo são necessárias mudanças. Novas governanças, maior fiscalização, democracia real, inteligência e participação coletivas. Apontamos o dedo duro para maus cidadãos, oportunistas, ladrões do erário, arrivistas. Fácil.

Difícil é curvar o dedo para o próprio peito. Vencer o autoritarismo dentro de casa, a intolerância com o erro alheio no trânsito, detrás do balcão. A má educação com o pessoal do telemarketing. Baixar a arrogância das verdades pessoais. Quem consegue fazer isso? Quem está a fim de mudar. Quem entendeu que melhorar inclui mudar comportamentos individuais.

Não estou fora dessa história. Tenho comportamentos ruins. Por exemplo, desejo uma cidade limpa, mas jogo a guimba do cigarro no meio da rua quando estou dirigindo. É claro que antes olho no retrovisor. Se ninguém estiver vendo, faço. Por que, se quero logradouros sem sujeira, insisto no hábito? Porque meu carro não tem cinzeiro. Porque é mais confortável para mim. Está na hora de reconfigurar.

Imagem Régine Ferrandis a partir de obra de Liane Chammas

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