Mulheres negras medalhistas

Ginastas são exemplo de que negras podem e devem ocupar outros lugares no imaginário do país

Rebeca Andrade, nossa ginasta que brilhou ao som de funk e samba nas Olimpíadas de Paris, integra com Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Lorrane Oliveira e Julia Soares uma equipe vitoriosa que levou o Brasil a conquistar a primeira medalha por equipes na história da ginástica artística e arrebatou o país com sua graça, técnica e força. Majoritariamente negra, a equipe é um exemplo, dentre tantos, de que mulheres negras podem e devem ocupar outros lugares no imaginário e na realidade concreta do nosso país.

Rebeca já era a ginasta mais condecorada na história do Brasil, com duas medalhas olímpicas (agora três) e nove pódios em Mundiais—três ouros, quatro pratas e dois bronzes. É parte de um grupo seleto de dez estrelas que já conquistaram vitórias em todas as provas da modalidade em Mundiais. É também a primeira latino-americana a se sagrar medalhista e campeã olímpica na ginástica artística feminina.

Ginasta Rebeca Andrade celebra medalha de bronze conquistada pela equipe brasileira nas Olimpíadas de 2024, em Paris – Lionel Bonaventure – 30.jul.2024/AFP

História de superação é também a de outra ginasta negra, Simone Biles, considerada pela BBC uma das cem mulheres mais inspiradoras do mundo. Biles e Rebeca vão disputar quatro medalhas no salto, no solo, na trave e no individual geral.

Simone Biles foi capa da revista People em 2021, e a reportagem mostra as mudanças que ela trouxe para a maneira holística com que devemos enxergar o esporte, uma vez que priorizou sua saúde mental, abrindo mão da participação nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Na ocasião, ela desistiu de estar nas finais em razão de uma crise psicológica e vem realizando palestras sobre a importância da saúde mental nos esportes e na vida.

Simone fala de não se cobrar tanto por desempenho e alcance de vitórias, de aproveitar, se divertir e celebrar as conquistas. Nessa abordagem, ela nos remete à importante perspectiva do “Bem Viver” que coletivos de mulheres negras, quilombolas e indígenas sempre enfatizam e que pode ser orientadora de outros patamares civilizatórios que nossa sociedade pode alcançar.

Mas, em meio a essa grande alegria, continuam a acontecer fatos que nos lembram que nem tudo são flores, em especial nas vidas de mulheres negras brasileiras. É o caso da recente vencedora do concurso Miss São Paulo 2024, a modelo Milla Vieira, que, após a vitória, passou a receber comentários racistas em suas redes sociais.

E, em Goiânia, a pré-candidata a vereadora pelo PT Sônia Cleide é quem vem sofrendo ameaças à sua integridade física e à de seus familiares. Em carta de solidariedade a ela, a AMNB (Articulação de Mulheres Negras Brasileiras) manifesta sua indignação e aponta, entre outros fatores que permitem a continuidade desses ataques, a baixa efetividade da lei 14.192/2021, que tipifica a violência política de gênero como crime.

Como contraponto positivo desses tristes fatos, cabe destacar a recente iniciativa do governo federal de adotar uma série de ações de combate à fome com foco nas mulheres negras, segmento que forma a base da sociedade brasileira e é a maioria entre os mais afetados por toda a sorte de mazelas, inclusive pela insegurança alimentar. Aguardemos os resultados da nova política na expectativa de que contribua efetivamente para a reversão desse quadro que afeta cotidianamente mulheres negras também merecedoras de medalhas por tanta resiliência.

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...