Mulheres nos conselhos de empresas: na Noruega, isso é lei

OSLO – Arni Hole se lembra da onda de choque que abalou o empresariado norueguês quando o ministro de Comércio e Indústria, Ansgar Gabrielsen, propôs uma lei que exigia que 40% de todos os integrantes de conselhos de empresas no país fossem mulheres.

Por: NICOLA CLARK

“Houve, literalmente, gritos”, disse Hole, diretora-geral do Ministério da Igualdade. “Foi um verdadeiro tratamento de choque.”

Mesmo numa sociedade tão fortemente igualitária -80% das norueguesas trabalham fora de casa, e metade do gabinete do atual governo é de mulheres-, a ideia parecia radical, se não por seu objetivo, pela magnitude da mudança necessária.

Na época, as mulheres ocupavam menos de 7% dos assentos nos conselhos do setor privado; um pouco menos de 5% dos executivos-chefes eram mulheres. Após meses de debate, a medida foi aprovada em 2003 no Parlamento.

Muitos dirigentes empresariais rejeitaram a lei como sendo um golpe político e argumentaram que a Noruega, com apenas 4,8 milhões de habitantes, não teria suficientes mulheres experientes para preencher a cota. O executivo-chefe de uma empresa de informática declarou ao jornal “Dagens Naeringsliv” que as empresas teriam de contratar “acompanhantes” para cumprir a lei.

 

Oito anos depois, a parcela de mulheres diretoras nas cerca de 400 empresas afetadas é superior a 40%, e elas preenchem mais de 25% das vagas dos conselhos nas 65 maiores empresas privadas do país. Para muitas feministas, é a medida mais ousada já tomada contra um dos obstáculos mais duráveis à igualdade de gêneros.

O mundo percebeu: Espanha e Holanda aprovaram leis semelhantes, com prazo até 2015 para serem cumpridas. O Senado francês em breve debaterá a adoção gradual de uma cota para mulheres até 2016, medida já aprovada pela Assembleia Nacional. Bélgica, Reino Unido, Alemanha e Suécia estão considerando leis nesse sentido.

Mas os pesquisadores agora se deparam com alguns fatos frustrantes: levar um grande número de mulheres aos conselhos na Noruega pouco contribuiu -ainda- para melhorar o calibre profissional dos conselhos ou fortalecer seu desempenho. Na verdade, os primeiros sinais de um estudo da Universidade de Michigan sugerem que o efeito imediato foi negativo. E a multiplicação por seis na quantidade de mulheres diretoras ainda não levou a nenhum aumento real no número de mulheres como executivas-chefes.

Nos últimos 50 anos, as mulheres conquistaram cada vez mais importância política e social. Seu poder corporativo, no entanto, continua modesto -embora elas representem metade ou mais da força de trabalho em muitos países.

Na União Europeia, em 2008, 9,7% dos membros dos conselhos nas 300 principais empresas eram mulheres, contra 8% em 2004, segundo a Rede Europeia das Mulheres Profissionais. Nos EUA, quase 15% dos conselheiros nas empresas da lista Fortune 500 são mulheres. Já na cúpula das companhias asiáticas a presença feminina permanece rara: na China e na Índia, elas ocupam em torno de 5% dos assentos nos conselhos; no Japão, são só 1,4%.

Tendências tradicionais custam a morrer. Quanto mais alta a escalada corporativa, maior a percepção de risco associada à escolha de gestores que não sejam “homogêneos”, disse Hilde Tonne, vice-presidente-executiva da Telenor, empresa de telecomunicações com sede em Oslo. “A diversidade não é tão fácil quando você ascende.”

Quando o governo norueguês começou a defender as cotas, o número de mulheres nos conselhos crescia menos de 1% ao ano havia uma década. Levaria 200 anos, segundo Hole, para chegar a 40%. A cota foi vendida à comunidade empresarial local como uma forma de obter maior igualdade social e vantagem competitiva: “O lucro se faz empregando as melhores pessoas, a despeito do gênero”, disse ela.

Mas alguns dizem que nem mesmo na Noruega as mulheres estão brigando por cargos de liderança. “Poder não é algo dado, é algo que você precisa tomar”, disse Benja Stig-Fagerland, economista dinamarquesa que em 2003 participou de uma iniciativa para encontrar lideranças femininas na Noruega.

Há quem veja riscos em sacrificar a experiência em troca da igualdade social. “Quando você de repente substitui 30% ou 40% do seu conselho por pessoas inexperientes, é mais fácil que esses membros sejam manipulados -isso é apenas bom senso”, disse o investidor Ruilf Rustad.

Mas Tonne, antes cética, se convenceu de que os efeitos de longo prazo da diversidade legislada superam os empecilhos imediatos. “Excluímos as mulheres por mil anos”, disse, sorrindo. “Já tínhamos cotas -só que para homens.”

Fonte: Folha de S.Paulo

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