“Tudo foi pensado para ser simples. Para ser direto, para ser singelo. Tocar o público por ser próximo, real e vivo. Não dá para ser diferente…
Por: Liliana Lavoratti
“Tudo foi pensado para ser simples. Para ser direto, para ser singelo. Tocar o público por ser próximo, real e vivo. Não dá para ser diferente. Samba é de roda, é de grupo, é olho no olho. O nosso espetáculo é assim.” É com essas palavras que o dramaturgo e autor do musical “O fino do samba”, o baiano Elisio Lopes Júnior, define a peça, em temporada no Teatro Itália, na capital paulista, até 25 de agosto. A preocupação com a música orgânica é a base do espetáculo. Afinal, o samba não necessita de intervenção eletrônica para acontecer. Faz-se samba batucando numa caixa de fósforo ou numa mesa de bar. E o ritmo sobrevive num mundo em que músicas são compostas sem músicos, dentro de estúdios, e shows são comandados por DJs, sem músicos.
O fato de considerar samba uma coisa de bamba – aquele que é perito da ginga, tem swing na palma das mãos e dos pés, é bom naquilo que faz – não intimidou Elísio, que enfrentou o desafio de equilibrar, em uma peça musical, a música e o drama. “O repertório é todo composto de canções clássicas. O samba é muito forte. Tínhamos o risco do texto não ficar tão interessante quanto as canções. Por isso, optei por uma linguagem metafórica. Cheia de imagens e totalmente ritmado”, conta o roteirista. “É um texto dramático bem musical, dançado. Brinco com a linguagem e misturo humor e drama. Mas a base dele é propor todo o tempo imagens, assim como a letra de uma canção”, completa o autor.
Sem a pretensão de esgotar em um espetáculo a rica história do samba, o texto coloca em cena três cantores da noite, que convidam o público para um passeio “pelo melhor do mais brasileiro dos ritmos”. Crooners de uma casa de shows, Rosa do Morro, João do Pandeiro e Zé da Quebrada, vividos pelos atores Heloísa Jorge (novela Gabriela), Guilherme Silva (minissérie O Canto da Sereia) e Esdras de Lúcia (musical Ary Barroso), respectivamente. As músicas – da elite do samba brasileiro, vão de Paulinho da Viola, Paulo Cesar Pinheiro, Caetano Veloso, a Agepê e Benito de Paula – adquirem sentido especial durante o espetáculo, evidenciando as relações pessoais e histórias das personagens.
Fino e negro
Além do mais popular dos ritmos brasileiros de todos os tempos, o samba também tem cor e, portanto, não tem como não falar de racismo, ressalta Elisio. “Uma coisa importante é que o nosso espetáculo é ‘fino’ e é ‘negro’, e tudo isso no samba. Quem assistir ao musical vai ver a nobreza do samba e do negro. A elegância, a poesia, o humor e a inteligência. Temos orgulho desse samba. O samba é sofisticado, mas apenas os sofisticados de verdade podem compreender isso”, destaca o autor da peça. E o samba também é resistência, como destaca o diretor do musical, o também baiano Kleber Borges Sobrinho. “Assim como o candomblé e a capoeira, o samba é uma espécie de quilombo, onde toda uma cultura subestimada e escravizada despejou sua sabedoria, moldou sua proteção e, de forma inteligente, criativa e mágica, disfarçou um gigantesco ato de resistência: a consciência de seu valor”, sublinha Sobrinho.
E como “o samba tem várias mães, esposas e filhos”, “falar de samba é preciso ir a onde o povo do samba está”, enfatiza Elisio. Embora São Paulo seja o berço desse espetáculo, em 2014 o musical deverá ser levado aos palcos do Rio, Bahia e de outros estados ainda não definidos.
Tempero baiano
A equipe é mesclada entre baianos e paulistas, mas apenas artistas negros formam o elenco de “O fino do samba”. Heloisa Jorge, atriz angolana radicada no Brasil há dezesseis anos, natural da Luanda Norte, é graduada em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia e atua no cenário teatral baiano desde 2003. Guilherme Silva atuou na minissérie “O Canto da Sereia” e espetáculos como “Sonho de Uma Noite de Verão”, “Cabaré da Raça” e “Breve”. Esdras de Lúcia é ator, cantor, músico e compositor. Formado em gastronomia, trocou a cozinha pelos palcos há alguns anos.
As músicas são executadas ao vivo e um corpo de baile complementa as cenas. Os arranjos são do musicista Bruno Elisabetsky e a preparação vocal é de Daniel Maia.
Fonte: DCI