Na caverna ou na telinha

De todos os ofícios, sinto inveja de quem desenha. Valer-se de pontos e linhas para representar coisas existentes e imaginárias. Diferente de quem se expressa com palavras, pois elas precisam existir anteriormente nas ruas e dicionários. Ao contrário do desenhista que cria formas, o escritor não inventa palavras. Ele as combina, recria, escolhe. Mas nunca se iguala ao voo livre do desenhista.

Por Fernanda Pompeu, do Yahoo

Quando fui professora de roteiro, Fernando Carvall – mestre da ilustração – apareceu na sala de aula querendo roteirizar. Pensei: por que um cara que domina o desenho quer se dedicar à expressão escrita? Explico: não creio que escrever seja inferior a desenhar, todas as expressões se igualam em importância. Mas a escrita, eu disse para o aluno Carvall, é tão trabalhosa que se eu desenhasse passaria a quilômetros de distância dela.

Escrever é ofício de operário. De gente que dispõe uma palavra depois de outra. Gente que esmiúça no passado social ou pessoal o nexo do que está tentando dizer. Também é ofício de cidadão que leva bordoadas. Se o escritor cometer um errinho de grafia, ou um errão de concordância, será insultado. Para os desenhistas, a generosidade é maior. Está meio garatuja, mas comunica.

Antes que me taxem de despeitada, sou um pouquinho, digo por que invejo os desenhistas. Com pontos e linhas, eles alcançam o ouro da síntese, a capacidade de dar o recado imediatamente. Ao contrário dos escritores que precisam ter status de mestre para se expressar com síntese. É fato que 99 entre 100 escribas desejam dizer muito com poucas palavras. Mas também é fato que 1 entre 100 consegue alcançar esse objetivo. Isto é, plasmar mensagens curtas e densas ao mesmo tempo.

O leitor curte textos e ilustrações. Mas, se obrigado a escolher, a maioria ficará com a imagem. Somos uma sociedade de ícones. Repare na área de trabalho dos computadores, smartphones, tablets. São os ícones – não as palavras – que abrem portas para a navegação. Não deve ser por caso que imagem eimaginação sejam irmãs siamesas.

A humanidade começou desenhando nas paredes das cavernas. Só quando adulta inventou a escrita. Mas até para isso precisou antes desenhar letras. Aí passou para o jogo de combiná-las, alterná-las,  regrá-las. Nesse momento, também foram repartidos os ofícios. Para os lúdicos, o desenho. Para os anjos, a música. Para homens e mulheres tristes, a escrita.

Imagem: Régine Ferrandis

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