Na mira do ódio

Naturalização do desrespeito com as religiões de matriz africana transforma o povo de terreiro em alvo preferencial

A explosão dos casos de racismo religioso é mais um exemplo do quanto nossos mecanismos legais carecem de efetividade e de como é difícil nutrir valores democráticos num ambiente influenciado pelo extremismo.

As queixas contra esse crime aumentaram 60% em 2023 (Disque 100). Mas a maioria das denúncias apresentadas não se transforma em inquéritos e boa parte dos inquéritos não serve de base a ações penais, porque há um problema na “porta de entrada”, segundo a “legaltech” JusRacial.

E num país onde tem mais instituições religiosas (579,8 mil) do que escolas (264,4 mil), segundo o IBGE, o discurso do ódio é um agravante. Serve de “elemento de corrosão da democracia”, como diz o diretor-executivo da JusRacial, jurista Hédio Silva Júnior. “Nasce nas denominações neopentecostais —que ultrajam religião alheia, vai para política e se impõe ao poder pela maior bancada do Congresso”.

No relatório “Panorama geral do contexto de racismo religioso no Brasil”, as entidades Criola, Ilê Axé Omiojuarô e Ilê Axé Omi Ogun siwajú apontam a necessidade de reconhecer o impacto da intensificação de nichos de negociação do Estado com religiões judaico-cristãs.

Seja por oportunismo ou ignorância, a naturalização do desrespeito com as religiões de matriz africana transforma o povo de terreiro em alvo preferencial de ataques físicos e dogmáticos. Sacerdotes e praticantes são ameaçados, violentados e mortos. Imagens de Orixás e locais de culto são vandalizados.

Nessa toada, em 2024 o racismo e a intolerância se apresentaram ao público em ritmo da axé music. No Carnaval de Salvador, uma cantora consagrada reverenciando Orixá antes de se converter ao neopentecostalismo se achou no direito de mudar a letra de um hit para não saudar Iemanjá.

O racismo religioso é mais um obstáculo à concretização da democracia e dos direitos humanos no Brasil. Mas, na atual cadência, “só Jesus na causa” (contém ironia).

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