Isso aconteceu no penúltimo domingo e até agora só foi notícia de
uma matéria fraquinha no
Zero Hora.
por Lola Aronovich
No Balneário de Pinhal, litoral norte do Rio Grande do Sul, uma menina de 16 ou 17 anos estava indo a uma festa com amigos. Como a festa foi cancelada, a moça foi à casa de um conhecido. Lá, ela foi estuprada por ele e outros quatro rapazes (três deles menores de idade), que filmaram a cena e colocaram o vídeo na internet.
Como uma das últimas coisas que quero na vida é ver o vídeo de um estupro, nem cheguei perto das imagens. Mas uma feminista gaúcha me enviou um email contando o que viu: “Ela [a adolescente] pede para parar diversas vezes, chora, grita, tenta sair, mas obviamente não consegue. Eles dizem ‘tu vai dar o c* pra nós vagabunda’, ela chora, e eles estupram ela”.
Esta leitora e outras feministas do RS estão sem saber o que fazer. Como pressionar o Ministério Público para que os estupradores (brancos, de classe média) não saiam impunes? Vale a pena fazer um escracho em frente à casa de um deles? Elas sabem seus nomes, viram suas fotos, já que, inicialmente, eles não fizeram a menor questão de se esconder. Pelo contrário, um dos rapazes
escreveu na sua página no Facebook:
É revoltante. 75 curtidas.
Em 2008, antes do meu bloguinho completar o primeiro ano, escrevi sobre um outro
caso escabroso.
Numa festa na cidade de Joaçaba, SC, uma moça de 15 anos passou mal, por causa da bebida, e foi levada por três “amigos” ao banheiro. Lá, um deles a estuprou, enquanto um dos outros dois, esperando sua vez, filmava a cena com seu celular. Felizmente, alguém estranhou a demora e interrompeu o estupro. Poucos dias depois, um dos rapazes decidiu jogar o vídeo na internet.
O que me deixou
mais chocada foi que um monte de marmanjo (umas 400 visitas a mais, na ocasião) entrou no meu blog procurando o vídeo do estupro. Sabe, não era sexo! Era estupro! De uma menina — menor de idade! — passando mal, desacordada. Certo, eu era muito ingênua na época. Sabia de nada, inocente.
Era 2008, e isso de estuprar, filmar o estupro, e colocar o vídeo pra todos verem na internet — praticamente um segundo estupro — estava apenas começando a se popularizar. Nos fóruns que discutiam o estupro de Joaçaba, os comentários eram quase todos assim: “Estupro com 15 anos? Hahaha, conta outra!” e “Se eu estivesse lá eu também comia ela”. Um dos comentaristas (um advogado!) lamentava que, por causa da “safadeza” de menina, estariam “acabando com a vida daqueles meninos”.
(Quase três anos depois, a
justiça condenou o estuprador, que tinha 18 anos em 2008, a sete anos e seis meses de reclusão em regime semiaberto. O que filmou o crime e divulgou as imagens na internet pegou 2,8 anos em regime aberto).
Lembra
Steubeville? Lembra. Em 2012, numa cidadezinha em Ohio, durante seis horas, dois jovens atletas levaram uma menina de 16 anos inconsciente de festa em festa (carregada pelos pés e braços, como se vê na foto). Enfiaram dedos em sua vagina, se masturbaram em cima dela, urinaram nela, e fizeram vídeos e tiraram fotos de tudo, orgulhosamente mandando as imagens pra suas redes sociais.
Graças à pressão desta mesma internet (principalmente de uma blogueira local e do grupo Anonymous), o caso foi a julgamento, e os dois atletas foram condenados. A reação de boa parte da grande mídia? “Estão acabando com a vida desses meninos”.
O estupro em Pinhal também lembra
o caso do filho de um dos Sirotsky, do grupo RBS, uma das seis famíias que monopolizam a mídia no Brasil.
Em maio de 2010, em Florianópolis, uma jovem de 14 anos foi estuprada por dois meninos da mesma idade, ambos ricos (um, filho de um dos herdeiros de um grupo de comunicação que controla 46 emissoras de TV, além de rádios e vários jornais; o outro, filho de um delegado).
O filho de Sirotsky trocou várias mensagens com internautas antes de ser advertido pelos seus advogados de sumir das redes sociais. No Formspring, alguém lhe perguntou se ele não temia ser preso, ao que o menino rico respondeu: “Tu tá zuando, né?”.
O caso teria sido sepultado se não fosse pela obsessão de um blogueiro chamado Mosquito. Sempre discordei de seus métodos, porque ele divulgou fotos e nomes completos de todos os envolvidos (incluindo a vítima!), o que vai contra o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Mas, se não fosse ele, os dois meninos não teriam sido punidos. Bom, eles quase não foram: receberam pena de seis meses de “liberdade assistida” (ou seja, prestaram serviços comunitários durante oito horas por semana, durante alguns meses). A pena
que cabe aos ricos e poderosos. (Um ano e meio depois, Mosquito foi
encontrado morto em sua casa, em Palhoça).
Quando a gente fala em
cultura de estupro, é bem disso que estamos falando: que uma menina é estuprada e tanta gente a culpe. Que os estupradores se orgulhem tanto do estupro que o filmam e o divulgam. Que tantos caras queiram ver o vídeo de um estupro. Que se masturbem com esse vídeo. Que os estupradores pensem que nada vai acontecer com eles (Cadeia? “Tu tá zuando, né?). Que de fato nada, ou quase nada, aconteça.
Menos com a menina. Essa já foi julgada e condenada só por ter ido a uma festa e bebido.
Pelo menos um rapaz deixou uma boa reflexão num fórum em que vários estavam culpando a vítima: