Não estamos adaptados à chuva

A crise climática é global, mas as mortes são locais e desiguais

Em Petrópolis, as chuvas nesta terça-feira (15) sacrificaram, ao menos, dezenas de pessoas e geraram centenas de deslizamentos. Relatos são estarrecedores. “A minha avó está soterrada. O meu primo de quatro aninhos está com ela”, disse à Folha uma moradora de 15 anos. “Foi uma luta muito grande para eu construir minha casa; perder tudo assim, tão de repente, é muito doloroso. O meu bairro acabou”, relatou outra.

Quais são as causas? De um lado, nas chuvas em Petrópolis, há a assinatura da mudança climática, como definiu Carolina Amaral nesta Folha: quanto mais elevada for a temperatura global, maiores serão a ocorrência e a força de eventos extremos. De outro, moradias inadequadas em áreas de risco, impulsionadas por regulação inadequada, desigualdade e fiscalização frouxa, somam-se ao problema, lembrou Carvalho Pinto na Piauí.

Mortes em Petrópolis decorrem igualmente da negligência estatal em adaptar cidades para o novo normal climático: extremos. A crise climática corta as veias desiguais das cidades, expondo o quão paupérrima tem sido a implementação local de mecanismos de adaptação à crise climática ou mitigação de seus efeitos.

Tornar as cidades resilientes requer integrar sistemas de redução de desastres, como defesas civis, a um monitoramento nacional da crise climática. Petrópolis poderia ter sido evacuada dois dias antes, segundo especialistas, se essa integração tivesse sido mais bem feita. Coordenação, financiamento, avaliação de risco, infraestrutura, alerta precoce, resposta humanitária; eis o leque de algumas medidas locais exigidas, segundo guia do Banco Mundial de 2011.

A crise climática é global, mas as mortes são locais e, dolorosamente, desiguais. Não é com hashtags e voluntarismo privado em doações –embora cruciais– que vamos evitar novas tragédias como a de Petrópolis: é pelo reconhecimento de que a tragédia não é natural, mas humana, tal como a negligência estatal que deixou que dezenas morressem, de novo.


Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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