Não existe racismo em Santa Catarina

Por: Urda Alice Klueger

 

 

A América estava cheinha de escravos africanos lá por volta de 1850, quando a Inglaterra, que era os Estados Unidos da época, disse: “Basta! Vamos tratar de acabar com a escravidão!”

 

Nos meus tempos de escola ensinaram-me que tais coisas se deviam ao bom coração dos ingleses, que não podiam ver gente sofrendo, escravizada – hoje sei muito melhor o que estava acontecendo: em plena Revolução Industrial, a Inglaterra tentava implantar o Capitalismo no resto do mundo, o que significava que teria que fazer o mundo inteiro comprar os muitos produtos que estava produzindo, e escravo não tinha salário e, portanto, não podia comprar. Se a pessoa fosse livre acabaria tendo algum tipo de salário, e então poderia fazer compras e ajudar os ingleses a tornar o Capitalismo maior. Essa coisa de bom coração era pura bobagem.

 

Aqui no Brasil demorou até 1888 para a Princesa Isabel considerar extinta a escravidão. Mas será que ela o foi mesmo? Só de pensar nisto já estou querendo enveredar para outra crônica, quando penso na quantidade de escravos negros e brancos que hoje existem no nosso país. Mas o assunto desta é outro, é sobre o racismo militante que existe bem aqui ao nosso redor e no resto do país, contra os nossos irmãos cujos antepassados foram trazidos à força de uma África que até hoje não se recuperou da perda dos seus filhos. Daí você vai me dizer: “Racismo, aqui? Tu estás louca! Gilberto Freire, em ‘Casa Grande e Senzala’, já deixou muito claro que vivemos numa democracia racial.” (eu diria étnica, forma que acho mais correta.) Meu amigo, meu amigo, em pleno século XXI, acabamos descobrindo que Gilberto Freire não tinha razão! Vamos ver como a coisa acontece. Vou começar pela alemoa Blumenau (outra bobagem – quão pouco Blumenau tem de alemão!). Aqui a coisa fez-se devagarinho. Um dia foi construída uma moderna igreja, no centro de Blumenau, que hoje é catedral, e sabe como é, entra padre, sai padre, os gostos mudam, e nos jardins modernos passou a morar uma série de imagens de santos e Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, que como todo o mundo sabe, é negra. Então, lá por outubro de 2003, alguém lá responsável por tal coisa, mandou pintar de branco todos os santos dos jardins, inclusive a Nossa Senhora Aparecida. O povo daqui é meio tímido para certos assuntos, até falou, mas falou pouco – só que a notícia repercutiu, resultou em manifestações em São Paulo, em Salvador… Bem, então, escondeu-se na sacristia a N.Sra.Aparecida pintada de branco, para acabar com a polêmica. Mais um pouquinho e, sorrateiramente, os responsáveis pelo assunto botaram lá no lugar dela uma Nossa Sra. de Lourdes, branquinha da Silva, achando que o caso estava resolvido. Estava nada. Há coisa de um mês atrás fomos lá [isso foi em 2004], o Movimento Negro mais o Fórum dos Movimentos Sociais de Blumenau, e botamos de volta na igreja, na missa de domingo à tarde, a N.Sra. Aparecida que havia sido expulsa. Silêncio total. Até hoje não vi uma linhazinha em qualquer lugar da imprensa! Claro, se o preconceito ficar escondido, parece menor.

 

Mas não é só aqui. Conto mais um caso, para que fique bem evidente que ele existe. A UNEGRO (União dos Negros pela Igualdade), lá em Florianópolis, resolveu comemorar seus 10 anos de existência [Tal também foi em 2004]. Os responsáveis foram lá no Conselho Comunitário da Fazenda do Rio Tavares com um mês de antecedência, combinaram que fariam a festa, estava tudo resolvido. Fariam a festa e cobrariam uma entradazinha, coisa pouca, para terem algum fundo em caixa. Nada lhes foi exigido. A coisa correu até faltar dois dias para a festa, e nesse meio-tempo alguém lá se deu conta: “Mas são os negros que estarão festejando em chãos legitimamente açorianos! Como pode! Corram, arranjem meios legais, não deixem tal gente adentrar ao Rio Tavares!”

 

Deve ter sido bem assim. Então vieram as exigências, folha e meia delas, assinadas pelo presidente do CCFRT, num documento que tenho cópia aqui, até com assinatura registrada no Cartório Alves, daí de Florianópolis. Vocês acham que a festa saiu? É claro que não. O racismo, meus amigos, é coisa para muitos caminhões de conversa! E está aí bem do seu lado, se não estiver aí bem dentro do seu coração. O que é que a gente faz para se livrar dele?

+ sobre o tema

Ataques racistas: muitas vezes, denúncias são registradas nas delegacias como calúnia

Nas últimas duas semanas, episódios de racismo, registrados em...

Barbie não me representa

Esperança Garcia, Maria Firmina dos Reis, Enedina Alves Marques, Antonieta de Barros....

Polícia analisa caligrafia de 300 estudantes para identificar autores de ataques a negros na UFSM

Três episódios de manifestação de ódio na instituição estão...

Goiás: família de mulher morta oferece R$ 10 mil por pistas

Assessora parlamentar foi morta com um tiro durante uma...

para lembrar

Tecnomacumba, 20 anos de axé!

Quando assisti Tecnomacumba pela primeira vez, Ribeiro ainda era o sobrenome...

Mais de 500 indígenas protocolam no STF denúncia contra deputados racistas

Comitê de Comunicação da Mobilização Nacional Indígena - Mais de 500...
spot_imgspot_img

O mínimo a fazer no Brasil

Defender e incentivar ações afirmativas pela diversidade e equidade étnico-racial é o mínimo a fazer num país que por quase 400 anos baseou sua economia no...

Não existe crime de injúria racial contra pessoa de pele branca, diz STJ

O crime de injúria racial, previsto na Lei 7.717/1989, não se configura no caso de ofensa baseada na cor da pele dirigida contra pessoa branca. Com...

Oitenta anos do nascimento de Bob Marley

Em 1945, ano em que terminou a Segunda Guerra Mundial, nasceu Robert Nesta Marley. Dia 6 de fevereiro não é feriado oficial na Jamaica,...
-+=