“Eu não tenho muito mais tempo para ser mãe”, repete diversas vezes a arquiteta pernambucana Ana Paula Coutinho, de 47 anos, enquanto tenta explicar a frustração de ter que adiar novamente sua gravidez.
Ela é uma das muitas mulheres que, nos últimos meses, tomaram a difícil decisão de interromper seus processos de fertilização in vitro porque temem pegar o zika vírus durante a gestação e ter bebês com microcefalia.
“Venho tentando engravidar há sete anos e deveria ter implantado os embriões fertilizados em janeiro. Mas por causa desse surto ficamos com muito receio. E aí conversamos e decidimos manter os embriões congelados e ver o que vai acontecer em relação à zika”, disse à BBC Brasil.
Recentemente, pesquisadores comprovaram que o vírus pode ser transmitido da mãe para o bebê durante a gravidez, o que fortalece a ideia de que ele seja responsável pelo aumento no número de casos da má-formação – 270 casos foram confirmados e 3.448 continuam sob investigação, segundo o Ministério da Saúde.
“Nós dois ficamos assustados com tudo o que passou na televisão sobre a zika. Aí conversamos e decidimos aguardar uns três meses para ver se surge alguma novidade. Não podemos esperar mais do que isso. As mulheres mais novas tem possibilidade maior de serem mães, mas eu já estou no limite”, afirma Ana Paula.
Além de cara, a fertilização in vitro exige bastante das mulheres fisicamente. Elas precisam tomar medicações para estimular a produção de óvulos, que depois são extraídos, fertilizados com o sêmen do parceiro e implantados em seu útero. Caso a gravidez não vá adiante, o casal precisa começar o processo novamente.
“É um processo custoso, mas o pior é o emocional. Todas as vezes em que você tenta, nasce uma esperança. E quando não acontece você se frustra. No meio das tentativas eu tive uma gravidez espontânea, que infelizmente não conseguiu evoluir. Eu estou há pelo menos dois anos preparando o endométrio (tecido que reveste o útero) para receber outro embrião.”
“Agora que estava tudo bem, que o endométrio estava perfeito, isso acontece. Pensei: ‘Meu Deus, como é complicado'”, diz a arquiteta.
Brincar com o azar
Especialistas em fertilidade de Recife, Salvador, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo relataram à BBC Brasil um aumento de até 10% no número de pacientes que decidiram adiar a implantação de embriões, por causa da epidemia de microcefalia, desde outubro. E eles esperam uma alta maior.
“Ainda não há dados oficiais em relação a isso, mas é o que eu e colegas do Rio e de outros Estados percebemos. Na nossa clínica, cerca de cinco a sete pacientes por mês resolvem adiar a gravidez”, disse à BBC Brasil Paulo Gallo, diretor do Vida – Centro de Fertilidade da Rede D’Or, no Rio de Janeiro.
As clínicas não têm tido prejuízo, já que os ciclos de fertilização em andamento – que chegam a custar de R$ 20 a R$ 25 mil – continuarão sendo pagos pelos pacientes, um gasto que aumenta quando o casal decide manter seus embriões congelados por meses.
Mesmo assim, Gallo diz que é difícil para os médicos saber como orientar os pacientes na atual situação. “Não posso dizer pra adiarem a gravidez por seis meses, porque não posso dizer que até lá teremos vacina e teremos acabado com o mosquito.”
“As pacientes jovens, que podem se dar o luxo de esperar, a gente orienta a aguardar por tempo indeterminado, até termos uma noção melhor do que pode acontecer. Mas às mulheres que estão mais próximas dos 40 anos, não tenho como dizer para ela esperar sem que eu possa garantir algum conforto”, afirma.
“A maioria delas decidiu esperar até março, abril ou até o inverno. Mas vemos que está só piorando. No Rio de Janeiro você tem dengue o ano inteiro.”
Até o momento, diferentemente de outros governos de países latino-americanos afetados pela zika, o Ministério da Saúde brasileiro evita dizer às mulheres que não engravidem e pede que elas conversem com seus médicos sobre os riscos da infecção antes de decidir pela gestação. Uma vez grávidas, devem tentar se proteger das picadas do Aedes aegypti, que pode transmitir a doença.
Mas para mulheres como C.G., de 42 anos, uma das pacientes de Paulo Gallo, as orientações do ministério não são suficientes.
“Cada hora eles descobrem alguma coisa. É quase uma lavagem cerebral com tantas informações. Fui ficando apavorada e resolvi adiar a gravidez”, disse à BBC Brasil.
C.G., que pediu para não ser identificada, congelou óvulos três anos atrás e faria sua primeira fertilização em janeiro.
“Já casei, não deu certo e também não pensava antes em ter filhos. Aí começou a bater o relógio biológico, mas não tenho companheiro. Antes eu tinha medo de fazer uma produção independente e agora tomei mais coragem, tenho apoio da família. Mas, justamente quando resolvo, aparece esse problema da zika.”
“É tudo muito caro e eu fiz uma poupança pra isso desde que congelei. Já até paguei a doação de sêmen. Estou chateada, ter que adiar mais uma vez o meu sonho mexeu muito com a minha cabeça. Mas eu acho que ia ficar pior se ficasse grávida e tivesse um problema desse”, afirma.
“A gente quer um filho e pede a Deus que seja saudável, mas ninguém quer brincar com o azar. Falei com o doutor que ia esperar até o inverno. Quero saber se o governo vai tomar alguma providência.”
Nesta semana, o governo anunciou que uma força-tarefa de 220 mil soldados do Exército se juntará a agentes de saúde em todo o país no dia 13 de fevereiro para visitar casas em campanha pelo combate ao mosquito.
O Ministério da Saúde também diz que distribuirá repelente gratuitamente a 400 mil mulheres grávidas e a presidente Dilma Rousseff, no Equador, propôs uma ação conjunta dos países latino-americanos contra a epidemia de zika.
‘Poupança’
Em Recife, a médica Altina Castelo Branco diz que suas pacientes mais ansiosas também estão evitando engravidar desde outubro, mas mantêm seus embriões congelados para ter uma espécie de “poupança”.
“Geralmente são mulheres de mais de 35 anos, que estão tentando há algum tempo. Elas sabem que, se demoram mais, os ovários podem dar menos óvulos e elas terão menos chance de ter embriões bons. O congelamento não afeta os embriões e dá uma segurança, mas também não é garantia de uma gravidez”, disse à BBC Brasil.
“Vemos o que elas passam, e o medo que dá é que não vemos uma solução em curto prazo para essa ansiedade.”
Mas enquanto alguns casais, ainda que ansiosos por um bebê, optaram por suspender os planos, outros decidiram assumir o risco.
A funcionária pública pernambucana Norma Guimarães, de 34 anos, e seu marido fizeram a fertilização pela primeira vez em outubro do ano passado, quando o aumento no número de casos de microcefalia já era assunto em todo o país.
“O Brasil convive com o Aedes aegypti há décadas e até hoje não conseguiu erradicar o mosquito e nem sequer produzir uma vacina contra nenhum dos quatro tipos de dengue hoje existentes. Quando fariam algo para conter a chikungunya ou a zika, que são doenças mais recentes? Infelizmente teremos que conviver com esse mosquito e essas doenças por muito tempo ainda”, disse.
“No começo, tivemos o susto, bateu a insegurança e o medo, mas decidimos continuar. Estou grávida de 15 semanas de uma menina que se chamará Helena.”
Para se prevenir contra o vírus, Norma usa repelente religiosamente, evita locais onde poderia haver focos do mosquito, como piscinas, e optou pelas calças e camisas de manga comprida durante o dia.
“A gente está feliz com a realização desse sonho, mas também ficamos apreensivos porque temos que tomar precauções. Estou tentando encontrar um equilíbrio entre ouvir tantas notícias ruins, me prevenir e curtir esse momento tão esperado.”
“Nem toda mulher pega zika, e mesmo que peguem, nem todas terão filhos com microcefalia. Por isso, mesmo com medo decidimos seguir em frente. Não nos arrependemos em nenhum momento”, afirma.