Quando militamos no movimento feminista é comum mulheres nos procurarem para contar casos de violência. Isso acontece de forma mais ampla quando sou convidada para dar palestras ou participar de algum debate sobre feminismo em escolas, universidades, comunidades, entre outros.
É comum as mulheres que ouviram uma palestra contarem casos pessoais, que aconteceram com elas ou com pessoas próximas. Muitas vezes acompanho mulheres até a Delegacia da Mulher para ajudá-las, pois uma das coisas que sempre aconselho é: nunca vá sozinha na Delegacia da Mulher.
Por que nunca ir sozinha na Delegacia da Mulher? Porque sabemos que, infelizmente, a realidade é bem diferente do que é desenhado na ‘Lei Maria da Penha’.
Muitas vezes o atendimento na Delegacia da Mulher culpabiliza a vítima pela roupa que veste, pela quantidade de álcool que bebeu, pela demora em fazer a denúncia após alguns anos e não no momento da agressão. Ou seja, além de toda a sociedade culpabilizar a mulher pela agressão, muitas vezes isso se repete na Delegacia da Mulher. Não é fácil para a vítima tomar a decisão de denunciar, por uma série de motivos que não cabe aos profissionais da delegacia julgar. O trabalho da delegacia deve ser sempre de acolhimento e não de questionar a vítima.
Uma dia, fui acompanhar a mãe de uma amiga na Delegacia da Mulher e presenciei mais uma vez a falta de um atendimento ético. Essa pessoa estava extremamente tímida e confusa para denunciar, a funcionária logo começou a falar sobre várias questões jurídicas para confundi-la. Essa vítima morava na região metropolitana de Curitiba, porém. as agressões aconteceram também em Curitiba e, atualmente, ela mora na capital, dessa forma a funcionária não queria fazer o boletim de ocorrência por conta da cidade.
Tentei ajudá-la e, prontamente, a funcionária me perguntou: você é advogada dela? Disse que não, que era psicóloga, mas estava ali como amiga para apoiá-la. A atendente logo pediu para que eu me afastasse e deixasse apenas a mãe de minha amiga falar. Nesse meio tempo, liguei para uma amiga advogada e feminista que trabalha na área de violência contra a mulher para explicar a situação que estava acontecendo. Quando voltei, a mãe de minha amiga estava conversando com a funcionária, tentei ajudá-la novamente, porém, mais uma vez, a atendente pediu para que me retirasse. Fiquei lá fora esperando, a mãe da minha amiga voltou e disse que iria fazer o Boletim de Ocorrência na cidade em que ela morava mesmo. Quando estávamos indo embora falou:
– Thayz, a funcionária disse para mandar você ficar quieta, senão ela ia mandar a delegada te prender por ousadia.
– Como assim? Me prender por que argumento e sei demais?
Pois é, nesse dia quase fui presa por ousadia. Porque não queria deixar a mãe de minha amiga sozinha, foi por pouco que saí da sala. Mas, vou confessar uma coisa: adoraria ser presa por ousadia. Afinal, depois de ser presa ia pedir para a delegada me explicar o que é ousadia.
Informar-se sobre a ‘Lei Maria da Penha’ para ajudar a si mesma e as amigas é ousadia? Empoderar-se através do feminismo e não se calar é ousadia? Não ter medos de ferramentas jurídicas e me proteger caso ache que isso esteja marginalizando alguém é ser ousada? Então sim, eu sou ousada. Mais, sou feminista.
Nesse dia, saí da delegacia pensando: como aconselhar as mulheres a irem em um estabelecimento público em que, muitas vezes, irão duvidar da sua história? Se a Delegacia da Mulher não protege as mulheres, quem irá proteger? Se nós mulheres cis não temos atendimento decente, o que fazem com as mulheres trans*, que já são extremamente marginalizadas na nossa sociedade? Temos que denunciar a omissão criminosa das delegacias de atendimento a mulher.
Lutamos pela ‘Lei Maria da Penha’, conseguimos. Agora temos que lutar para que a Lei seja cumprida totalmente, inclusive no seu papel educativo e não apenas punitivo, como é feito atualmente. Queremos ter um atendimento na delegacia de forma digna, mas não é apenas isso, queremos sobretudo que a violência contra a mulher diminua cada vez mais. E, não precisamos de mais leis para isso, queremos apenas que a ‘Lei Maria da Penha’ seja executada.
Texto de Thayz Athayde
Fonte: Blogueiras Feministas