Negro doutor barrado em hotel “vira” neurocientista com dreads e tres dentes de ouro

Será que o porteiro do hotel Tivoli Mofarrej na capital paulista, pediu para o neurocientista Carl Hart abrir sua boca e mostrar seus dentes, antes dele entrar no recinto para dar sua conferência?

por Rosane Aurore e Marcos Romão, do Mamapress

Katherine Dunham 1950
Katherine Dunham 1950

“Carl Hart é negro e veio a São Paulo palestrar sobre a guerra às drogas e como ela é usada para marginalizar e excluir parte da população. Antes de se tornar um cientista respeitado, com três pós-doutorados, e um dos maiores nomes sobre o estudo de drogas, era usuário de crack. Ele decidiu tornar-se especialista nos efeito do crack para entender como a droga tinha destruído sua comunidade. E virou um neurocientista, com seus dreads e os três dentes de ouro.”

A notícia começou na redação da mídia Justificando, espalhando-se viroticamente nas redes sociais. Blogs e portais repetiram a matéria da discriminação racial, sofrida pelo negro Carl Hart, na capital paulista no hotelTivoli Mofarrej.  Agora todos sabemos que Carl Hart tem dentes de ouro e cabelos dreads.  Mais um caso de racismo”cosmético”, segundo a visão tradicional brasileira.

Estamos mais uma vez diante do sensacionalismo e indignação para inglês ver, como no caso de discriminação sofrida em 1950, no Rio de Janeiro, pela negra americana, a  bailarina, coreógrafa e educadora e ativista pelos direitos civis Katherine Dunham, que foi impedida de se hospedar no Hotel Serrador. O caso gerou na época até a criação da lei Afonso Arinos, que penalizava o racismo como contravenção.  Afonso Arinos morreu em 1990 sem nunca ter visto alguém ser penalizado por esta lei. Saiba mais sobre a lei 1390.

A notícia vale pelo exótico, o ressaltar a descrição “neurocientista, com seus dreads e três dentes de ouro”, joga para escanteio sua principal acusação contra o racismo brasileiro. Acusação feita na lata para os ouvintes de sua palestra no hotelTivoli Mofarrej, que pagaram jetons de ouro para escutá-lo, escutar sua visão contrária às políticas adotadas em relação à drogas e que causa a morte violenta em sua guerra, de milhares de jovens negros no Brasil.

Carl Hart olhou para a platéia, repleta de pessoas que decidem sobre vida e morte de negros no Brasil e, perguntou para uma platéia só de brancos:
“Olhem para o lado, vejam quantos negros estão aqui. Vocês deviam ter vergonha”

Carl Hart não é qualquer acadêmico como os que vivem nas “Torres de Marfins” universitárias brasileiras, nem é um “gringo” que confunde Buenos Ayres com Conceição de Mato Dentro. Carl é um acadêmico e ativista, ele quer salvar vidas.

Antes de dar suas palestras a peso de ouro para os especialistas em “enxugar” gelo e suas política erráticas de “guerra às drogas”, Carl Hart conversou com a comunidade negra brasileira e interessados que não podem pagar nem são convidados para estes seminários exclusivos.

Ele sabe muito bem que ele é  um negro com visão global da questão, que atinge todos os continentes, mas os que mais sofrem em todos os continentes com as políticas adotadas contra as drogas,  são os grupos vulneráveis da sociedade, pobres, negros e todos os excluídos. Para os que estão em perigo da adição, ele apresenta a alternativa da inclusão na sociedade e, não na execução sumária como é de costume no Brasil.

Ao contrário do que a imprensa brasileira tentou fazer com Katherine Dunham, que de coreógrafa, ativista pelos direitos civis, especializada em antropologia da dança e virou “bailarina”, que na imprensa ninguém sabe de “que dança”, e da forma como Carl Hart está sendo descrito, é preciso saber que está cada vez mais difícil invisibilizar o racismo contínuo e estrutural e a luta contra ele, e que  os movimentos pelos direitos dos discriminados veem o racismo como questão global e atuam internacionalmente há décadas.

A todos os jovens jornalistas do Brasil, recomendamos que prestem atenção para não caírem nas armadilhas da individualização e escamoteação do racismo no Brasil, descrevendo-os como fatos episódicos.

Não ter nenhum negro na platéia da conferência de Carl Hart  sobre um  problema que atinge em maior grau a população negra brasileira,  é  que é o tema e o escândalo.

Ainda não vimos publicado nenhum desagravo ao Carl Hart, assinado pelos especialistas presentes na conferência. Bota vergonha nisto!

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