Negro, não

Por: Edson Lopes Cardoso

A funcionária Rosana Bullara afirmou à “Folha de S. Paulo” (edição de 3/12/2010) que “foi discriminação”, porque o estudante de filosofia Samuel de Souza era “pobre e negro”. Samuel desmaiou subitamente após descer do ônibus e morreu na Praça do Relógio, na Cidade Universitária (USP). O corpo de Samuel ficou “por quase seis horas” estirado no chão. Existe um hospital no campus da USP, localizado a menos de três quilômetros do local onde estava o corpo.

No Rio, os porcos comeram partes do corpo apodrecido de Davi Basílio Alves, jovem de 17 anos assassinado pela polícia na Vila Cruzeiro. Segundo reportagem da Folha, Davi era “soldado do tráfico” e seu corpo ficou abandonado “numa rua de terra da Vila Cruzeiro” de quinta (25/11) até sábado (FSP, 5/12/2010).

Além dos corpos negros atirados em vielas e entulhos e na Cidade Universitária de grande prestígio, há os que desaparecem, recolhidos pela polícia, que não tem como provar o envolvimento dessas pessoas assassinadas com o tráfico, e as enterra como indigentes, com a cumplicidade dos IML’s.

Entre as normas que definem o que é, ou o que deve ser aceito entre nós, há uma que implica a rejeição perpétua à cor negra da pele. A repulsa ao negro é uma dimensão social e psicológica que constitui a própria nacionalidade. José Bonifácio de Andrada e Silva referiu-se a ela na proposta que encaminhou à Assembléia Constituinte, em 1823: “mas o negro conserva indelevelmente um sinal de separação e de desprezo”. Bonifácio afirma ainda que entre nós “uma das causas, que concorre a perpetuar e piorar a escravidão dos negros, é a cor…”. (Projetos para o Brasil, Companhia das Letras/Publifolha, 2000, p. 44.)

Uma coisa era o escravo, outra coisa a cor do escravo. Sinal indelével é isso mesmo, que não se dissipa, indestrutível. A televisão, a cultura, os partidos, as vanguardas e as retaguardas, o mundo que nos é familiar se encarrega de disseminar a repulsa e a rejeição e a favorecer e estimular a ação criminosa de assassinos, fardados ou não. Criou-se um consenso de larga memória, cruel e sanguinário: negro, não.

Brasília, 09/12/2010

 

 

Fonte: Lista Racial

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...