“Neymarland”

Por: FERNANDO DE BARROS E SILVA

 

SÃO PAULO – “Já foi vítima de racismo?” “Nunca. Nem dentro nem fora de campo. Até porque eu não sou preto, né?”. Quem responde é Neymar, a nova divindade do futebol brasileiro. Mesmo quem prefere o gênio apolíneo de Paulo Henrique Ganso deve admitir que o Dionísio da Baixada hoje é “o cara”.

Não é bem o caso de discutir se Neymar é ou não é preto. Nem, tampouco, de encrencar com a espontaneidade da sua resposta. Há nela muito mais inocência do que veneno. Neymar é só mais um filho pobre e alegre dessa terra desigual e misturada que ficou subitamente famoso por obra e graça de seus pés.

A entrevista a Débora Bergamasco, publicada pela coluna de Sonia Racy no jornal “O Estado de S. Paulo”, é reveladora do que vai na cabeça do jovem moicano da Vila.

A parte chata do sucesso? “Não tem parte chata. É sempre legal”. Um sonho de consumo? “Queria um carrão”. Mas já não comprou um por R$ 140 mil? “Queria um Porsche amarelo e uma Ferrari vermelha na garagem”. Tipo de mulher? “Linda”. Prefere as loiras? “Sendo linda tá tudo certo”.

Alisa os cabelos? “Tem que alisar para o moicano espetar. E também pinto de loiro”. Para onde gostaria de viajar? “Para a Disney. Gosto de parque de diversões, de brinquedos radicais”. Tirou título de eleitor? “Não, nem queria, mas vou ter que tirar”. Sabe quem são os candidatos a presidente? “Não sei, não”.

A família de Neymar é evangélica. O pai gerencia os rendimentos do filho e todo mês dá 10% à igreja.

O que pensar disso tudo? Que talvez não seja descabido ver nesse mundo infantilizado de fantasias e clichês de consumo a nossa “Neverland”. Há, inclusive, algo da figura etérea de Michael Jackson na arte de Neymar. E, se existe hoje algo como um “brazilian dream”, ele poucas vezes esteve tão bem caracterizado como aqui, em “Neymarland”.

Há no país 37 milhões de jovens de 16 a 24 anos. Metade deles não estuda. Pergunte o que gostariam de ser ou de ter sido. Quantos deles responderiam “Neymar”?

 

 

Fonte: Folha de S.Paulo

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