No debate de uma polêmica, todos ganham

Apontamentos, discursos com cobranças, atitudes em prol de uma absolvição diante de um deslize até então, não notado. Mas há um tempo visto, não questionado e esquecido, afinal sou uma boa pessoa e aliada.

Não. Não estou falando da Lilia Schwarcz, mas de nós observadores e ativos desse crucial momento de debates onde todos ganham e ninguém perde, porque avançamos mesmo que não pareça.

Eu li e escutei dentro de grupos que participo e que se propõem ser antirracistas, falas como: “Em debates assim, todos perdem.” Atitudes, onde a “carteirada” acadêmica ou especialista teve mais peso. Outra atitude observada por mim, foi a de pessoas vendo luz onde não existia, em prol do histórico impecável da doutora. Mais uma atitude, a de presumir que a parte questionadora preta, desconhecia o mérito de títulos da questionada branca. “Você deveria a conhecer melhor, assim como o seu trabalho. Você vai gostar.”

Tudo isso foi sendo repetido por todo lugar que eu fosse e estivesse acontecendo o debate em torno do artigo da antropóloga, ao trabalho Black is King da Beyoncé. Percebi um padrão, logo, uma crença compartilhada que leva a um comportamento bem brasileiro. Os grupos eram distintos, mas os personagens se repetiam. Eram pretos em maioria. 20% dos pretos são falantes, atuantes, conscientes dos fatos e o restante é calado, uma massa que ocupa. As pessoas brancas que nem sempre são a maioria, foram os que trouxeram as falas e atitudes descritas no parágrafo anterior, no calor dos debates. Se as falas e atitudes racistas não foram percebidas, foi porque o tom usado era gentil, cheio de emojis, para disfarçar gatilhos e violência. 2% dos pretos trouxeram estas mesmas falas, mas entenderam com o decorrer da discussão, que a escritora criticada tinha tudo, menos a vivência de uma mulher preta para propor.

Não pretendo polarizar, mas trazer a consciência, crenças machistas e racistas tão enraizadas que passam desapercebidas no dia a dia. Ao olharmos para elas, parece que não saímos do lugar, é um mais do mesmo. Nos perguntamos, de novo este assunto? De novo esse tipo de polêmica? Isso até pode ser cansativo, mas veja como avanços para novas narrativas sociais e pessoais e que até então não existiam. E justamente, porque uma parte estava calada, nós os pretos.

Como identificar, se você está mantendo e realimentando nestes debates, a sua parte racista e machista? Como é possível ter certeza de que suas falas e atitudes, são realmente antirracistas? Você nasce e aprende a ser racista, machista, homofóbico, anos a fio e por isso, não se transformará em um “anti” em um estalar de dedos, é um processo intenso de desconstrução interna e ação externa. Isso é um duo. Ninguém deixa de ser racista, por fazer comentário antirracista. E não deve pensar que existe um selo ou um prêmio para ser dado ao ser “anti”, só porque se envolveu em uma causa, escreveu uma fala ou deu visibilidade. Não é assim que funciona.

Quando se lê em determinados debates que “…todos perdem com esse tipo de discussão” a pessoa que declara, está relutando em deixar sua própria zona de conforto. É o mesmo perfil da turma “…do deixa disso, somos todos brasileiros.” Esse tipo, não tem a intenção de olhar para a própria ferida, pois dá trabalho, claro que dá! Mas atente-se brancos e pretos! Na discussão, há uma parte que sempre foi ferida, que resolveu não mais aceitar a dor. Fato que deveremos lidar daqui para frente e essa é uma sugestão, para uma vida melhor.

Aos brancos, um “mea culpa”. Se ofender, sentir insegurança e ser reativo pelas críticas direcionadas a outra pessoa branca, mostra o quanto é e está sendo dividida a culpa por se sentir no fundo, superior. A culpa e raiva pela herança e passado dos que vieram antes. A culpa e vergonha pelos reconhecidos atuais privilégios. A reatividade em um nível inconsciente é uma sensação falsa de justiça e ela tem a função de manter o seu mundo intacto. Você tem dois caminhos: ignorar até não poder mais, na tentativa de manter a sua realidade ou encarar os fatos, se trabalhar, agir e mudar o seu entorno. Faça primeiro a escuta da fala do preto e depois a do branco. Pelo menos uma vez, quebre o ciclo. Somos feitos de pequenos elos. Eu posso escrever usando a astrologia, com tantos planetas solicitando mudanças. Se você não fizer por bem, Urano depois que recebe os trabalhos de Saturno, não é paciente. Urano é bem carrasco e te arranca da zona de conforto sem braços e nem pernas.

Se você é uma pessoa preta, um debate é a hora certa para criar forças e tomar parte do que é seu por direito, seu lugar de fala. É o momento ideal para se ocupar e se preencher de si mesma, como pessoa. Praticar o Pertencimento de si, é um processo interno, que tem a ver com escutar outros pretos e perceber pontos em comuns. Quase sempre nos unimos pela dor, pela escassez e pela invisibilidade. Sim, é possível sermos um exército de invisíveis e sermos muito unidos. Como? Não agindo e fortalecendo um protagonismo que não nos representa.

Sobre a carteirada acadêmica e de especialistas, onde fãs saíram em defesa da historiadora, creditando a menor possibilidade de erro. Em um dado momento se viu o erro. Se errar é humano, temos então um ídolo nada perfeito. Em um nível inconsciente: Isso me auto questiona e é duro olhar para isso, pois me confronto. As qualidades que eu via “nela” sumiram e isso significa que as minhas podem desaparecer, ou nunca terem existido. Então escolho não ver, acreditar na reputação do passado e não validar esse presente. Zona de conforto. Absolvo qualquer pessoa branca que mesmo diante das câmeras, ou publicação são pegos “no pulo.” Minhas filosofias, meu mundo, meus privilégios estão correndo perigo e podem ser retirados de mim? Como irei agora validar meus discursos, sem uma autoridade e minha representante? Escolherei não escutar uma multidão que aponta, critica, se coloca, mostra a dor na pele inquestionável por sua vivência, para manter meu falso senso de justiça? Essa crença de legitimar a defesa do que é impecável e branco, é irmã da crença onde, uma vítima sempre é questionada de um estupro por ser mulher, de ser assaltante por sua cor de pele e de ter menos sabedoria por sua classe social.

Nenhum historiador no mundo, em seus relatos e pesquisas substitui ou é superior a vivência do Ser em questão estudado. Por isso é importante que em narrativas de trabalhos com protagonismos, neste caso é o feminino preto em Black is King, venha primeiro a escuta e a fala feminina preta. Depois podemos avaliar onde se encaixa a fala feminina branca, onde se encaixa a fala masculina preta e só então a fala masculina branca. Qual é a dificuldade de se entender o lugar da fala e da vivência? O meu lugar de fala externa, só existe depois da minha escuta por quem tem experiência e vida na questão.

Por fim, presumir que a parte questionadora, não tem conhecimento suficiente ou todos os fatos para discorrer sobre um assunto. Foi sugerido pelos brancos , que antes dos pretos fazerem os seus questionamentos, que deveriam conhecer melhor a autoridade, a sua trajetória e as suas pesquisas sobre a escravidão, o universo preto através de documentos e fatos históricos. Aqui se nega o valor pessoal e se invalida a intelectualidade de cada questionador de cor. Presume, se é preto, pobre e mulher, não teve acesso a cultura e educação. Quando a maioria, em verdade, a conhecia e tinham seus livros sensíveis para os brancos e doloridos para os pretos, em bibliotecas pessoais. Respiro fundo. Ou seja, eu só respeito o que é igual a mim. Quase sempre, crenças como esta, traz base religiosa cristã. É o Pensamento colonizador e salvador. O meu sagrado é maior e mais importante que o seu entendimento. Quais crenças racistas e machistas, eu tenho e são tão enraizadas, que fluem em falas gentis e superiores? Eu sei mesmo a diferença entre ter piedade e ser uma pessoa aliada a uma causa? Estou engajando por mim, minha salvação ou para não sofrer acusações de racismo? Estou sendo antirracista para me sentir e ser visto como um bem feitor ou por que acredito em um mundo mais justo, amoroso e mais digno para todos?

Voltando a astrologia, os nodos lunares mudaram de lugar, saíram do eixo Capricórnio e Câncer, indo para o eixo Sagitário e Gêmeos. O nosso mundo antes da pandemia estava no primeiro eixo. E neste segundo, agora, em Sagitário x Gêmeos significa que tudo o que for o grande símbolo de uma filosofia, um movimento, uma religião, organização, um estilo de vida, será questionado mais e mais, para justamente deixar de favorecer alguns em detrimento de muitos. Suas convicções em um nível pessoal, vivem a mesma influência. Para fugir disso, apenas não existindo, aqui e agora. Então. Que venham as polêmicas!

Gisele Caldas é estilista, astróloga, thetahealer e uma caçadora de crenças em tempo livre.

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