No Dia Nacional da Consciência Negra brancos empresários são os grandes homenageados pelos Vereadores de Campina Grande.

A Semana da Consciência Negra é momento para se homenagear quem luta seriamente contra o racismo e de reconhecer o quanto os negros e negras dessa cidade tem feito para descolonizar mentes e corações de uma elite perversa e racista, a qual tenta de todas as formas barrar nossas conquistas em prol do empoderamento da raça negra em Campina Grande. Solicitei ao Vereador Napoleão Maracajá o título de cidadania campinense para o Tatalorixá Vicente Mariano, mas nunca fui atendido por ele. Depois dessa recusa fui solicitar esse título de cidadania para o Vereador Anderson Maia do PSB, mas também não fui atendido por esse parlamentar. O interessante é que o gabinete do Vereador Anderson Maia me pediu uma justificativa para conceder essa homenagem para o Tatalorixá Vicente Mariano. Aceitei o desafio do seu gabinete, o que me levou a escrever um texto de cunho histórico sobre o racismo enfrentado pelo povo de santo. No entanto, nada disso adiantou. Nem mesmo o documento feito pela Juventude de Terreiro de nossa cidade reforçando a minha luta para que este ano fizéssemos uma bonita homenagem para o candomblecista mais antigo da Paraíba, no dia 20 de novembro.

Enviado por Jair Nguni via Guest Post para o Portal Geledés 

Esses dois parlamentares, na verdade, trataram com total descaso meu pedido para homenagear esse histórico e respeitado sacerdote do candomblé. Os dois Vereadores deveriam saber que na história de Vicente Mariano de Oxum esse respeitado candomblecista já ganhou diploma de honra ao mérito durante o Centenário de José Américo de Almeida ( 1887\ 1987), por sua atuação em prol do desenvolvimento cultural brasileiro. Esse diploma foi concedido pelo NELL- Núcleo de Estudos linguísticos e literários da UFPB como podemos encontrar num quadro pendurado no Terreiro desse Tatalorixá, localizado na rua Prudente de Morais na Estação Velha. Vicente Mariano foi Iniciado aos 16 anos no candomblé de Tradição Nagô e teria nascido no dia 19 de novembro de 1929 no município de Macaparana, estado de Pernambuco. Só este ano quatro sacerdotes da igreja católica ganharam o título de cidadania campinense numa única sessão, incluindo aí o Bispo de Campina Grande Dom Frei Manoel Delson Pedreira da Cruz. Por que não se faz com essa mesma dimensão política, reconhecimento social, religioso e valor simbólico uma homenagem para os representantes do candomblé, umbanda e jurema de Campina Grande?

Enquanto no dia 19 de novembro Napoleão Maracajá criticava os líderes do Movimento Negro de Campina Grande na ausência desses mesmos líderes, dizendo que: “a responsabilidade da mobilização para esta sessão ficou a cargo de alguns representantes do movimento negro”. Infelizmente, parece-me que já virou regra a “Casa de Félix Araújo” fazer homenagens para brancos de classe média, sem que os Vereadores Anderson Maia e Napoleão Maracajá quebrem essa regra injusta, excludente e que reforça claramente o racismo no campo da política. O parlamento mirim campinense já tinha feito essa injustiça contra a nossa população negra no ano de 2013 quando humilhou de forma pública o Movimento Negro de Campina Grande, cancelando uma sessão especial previamente marcada para debater o Dia Nacional da Consciência Negra. É só olharmos o site da Câmara de Vereadores para todo mundo perceber que a homenageada foi a senhora Maria da Penha no ano de 2013. É só olharmos agora para saber quem foi no último dia 20 de novembro o perfil eurodescendente dos homenageados, para percebermos que mais uma vez a elite branca dessa cidade representada por dois empresários brancos foram os grandes homenageados com o título de cidadão campinense.

Com relação a essa sessão especial feita pelos Vereadores para refletir o Dia Nacional da Consciência Negra, no dia 19 de novembro. O Vereador Napoleão Maracajá era para ter aproveitado o momento para dizer a Secretária de Educação Iolanda Barbosa que o bairro da Liberdade não é um bairro de maioria negra e com altos índices de violência contra jovens negros. Portanto, levar o Parque da Liberdade e o Centro de Iniciação Esportiva para o quintal da classe média branca do bairro da Liberdade é cometer um crime contra a vida dessa mesma juventude negra que vive socialmente abandonada nas periferias de Campina Grande, visto que é nas periferias onde se mata todos os dias jovens negros justamente por falta de equipamentos culturais e esportivos como esses que serão construídos, diga-se de passagem, sem nenhum debate com o movimento negro em toda sua diversidade afro-brasileira e participação do próprio Conselho Municipal de Juventude.

O genocídio da juventude negra vai aumentar na nossa cidade com esse tipo de política pública concentrada em um território longe das periferias. Assim sendo, a Prefeitura com esse tipo de comportamento passa por cima das determinações sociais do Plano Juventude Viva e isso precisa ser denunciado junto ao Ministério Público, Vereadores e para os movimentos sociais que representam os direitos da juventude de Campina Grande. É por isso que não se montou de forma democrática o Comitê Gestor do Plano Juventude Viva na nossa cidade, tendo em vista que a Prefeitura no governo  do PSDB quer implantar suas políticas sociais sem ouvir o movimento negro e toda sua diversidade afro-brasileira. Infelizmente, diante desse quadro, existe uma certa militância que vive das regalias e esmolas do grupo Cunha Lima e por ter sido aparelhada não pode bater de frente com essa oligarquia, visto que com seus cargos na Prefeitura não pode desagradar ao seu patrão que gasta milhões para fazer festa de São João, mas sem gastar nenhum real se quer para salvar as vidas de nossos jovens negros nas periferias. Essa mesma militância que se diz “séria e honesta” ainda se apropriou vergonhosamente do Plano Juventude Viva como se fosse sua galinha dos ovos de ouro e os debates sobre a juventude negra ficam concentrados entre quatro paredes na Secretaria de Esportes, Juventude e Lazer da Prefeitura Municipal de Campina Grande, negando claramente a participação de diversos outros atores e personagens sociais que lutam diariamente contra o genocídio da juventude negra de Campina Grande e que poderiam contribuir para democratizar esse debate. Entendemos, assim, que qualquer política pública direcionada para combater o genocídio da juventude negra empobrecida e geralmente moradora das periferias e centros urbanos, teriam que passar necessariamente pela aprovação de um Comitê Gestor do Plano Juventude Viva, com a participação plena e ampla da sociedade civil, fato esse que não está acontecendo pelas razões aqui já explicitadas. Cadê o Comitê Gestor do Plano Juventude Viva dessa cidade?

Essa sessão especial voltada para o debate sobre as profundas desigualdades raciais era o momento ideal para o Vereador Napoleão também cobrar da Secretária de Educação Iolanda Barbosa o motivo do Prefeito Romero Rodrigues não ter até o presente momento sancionado o projeto de cotas para negros no serviço público municipal. Ademais, ele poderia ter perguntado para a representante da oligarquia Cunha Lima quando é que o Prefeito Romero Rodrigues vai botar em prática as 14 propostas de combate ao racismo da II Marcha Nacional Contra o Genocídio do Povo Negro. Também poderia ter perguntado para a senhora Iolanda Barbosa quando é que a Prefeitura vai colocar em pratica as propostas que foram aprovadas na I Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial, Conferência essa, que virou um grande estelionato político e histórico, servindo apenas para gerar emprego para uma certa militância cooptada por esse mesmo grupo político. Gostaria, portanto, de deixar bem claro que nunca me coloquei como líder do movimento negro de nossa cidade, pois faço militância de forma independente e não coordeno nenhum movimento negro organizado. Por outro lado, gostaria de dizer para esse parlamentar que ele precisa dizer agora quem ficou responsável pela organização dessa sessão especial completamente esvaziada, uma sessão que entra para a história do ativismo negro campinense, uma vez que até onde eu sei esse fato triste nunca tinha acontecido nos 29 anos de luta contra o racismo do Movimento Negro de Campina Grande.

Essa sessão especial foi marcada ainda por uma fala da representante do Prefeito Romero Rodrigues como se as portas do poder executivo municipal estivessem abertas para todos que fazem o movimento negro e sua diversidade afro-brasileira. Ora, o Seminário Agosto Para a Igualdade Racial não recebe nenhum apoio da Secretaria de Educação que tem na pessoa da Senhora Iolanda Barbosa sua atual gestora. Já tentamos esse apoio em outras pastas do governo do PSDB como na Secretaria de Cultura, mas não conseguimos nada de patrocínio do poder público municipal na gestão do Prefeito Romero Rodrigues. A fala da Secretária Iolanda Barbosa contrasta com a realidade dos fatos no cotidiano de quem luta contra o racismo em Campina Grande. A biblioteca Comunitária do Tambor, por exemplo, sobrevive na garagem do pai do professor e ativista cultural Williams Lima Cabral, já que não tem apoio do poder público municipal para combater esse mesmo genocídio da juventude negra que a Prefeitura diz ter políticas públicas de enfretamento. Aqui só tem apoio mesmo o militante que vive de joelhos para o grupo Cunha Lima. Para esse tipo de militância, a Prefeitura tem emprego e ainda convida para fazer parte de todas as atividades pensadas pela Secretaria da Educação para celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra.

O Vereador Napoleão Maracajá ainda esqueceu de lembrar que no ano passado fizemos uma sessão com um público considerável e com ampla participação de grupos de capoeira e, ao mesmo tempo, com a presença de uma mulher negra da ONG CENTRAC representando a luta da mulher afrodescendente por igualdade racial. Na sessão especial organizada este ano pelo seu gabinete percebemos que os diversos grupos e associações de capoeiras não estavam no plenário, muito menos como debatedores na tribuna da Câmara de Vereadores no último dia 19 de novembro quando foi debatido mais uma vez a realidade social da nossa população afro-brasileira sem a participação de nenhuma mulher negra, o que revela exclusão e falta de pluralidade política e social no encaminhamento desse evento. Sinceramente, lamento profundamente pela falta de honestidade intelectual e política do Vereador Napoleão Maracajá quando disse que o movimento negro era o responsável pela mobilização dessa sessão esvaziada, sem que ele disesse para o público que ali estava quem ficou responsável de mobilizar a sociedade.

Posso dizer que pelo que conheço da história do Movimento Negro de Campina Grande é fato que essa sessão foi completamente esvaziada pela forma como seu gabinete deve ter encaminhado, pois era pra ter tido uma reunião com todos os integrantes do movimento negro e sua diversidade afro-brasileira. Digo isto pelo fato de ter que me defender de seus ataques injustos, visto que jamais fui chamado para organizar esse evento, assim como não fui convidado para ser um dos oradores. Desafio, diante desse contexto, o Vereador do PC do B Napoleão Maracajá a dizer quem ficou responsável pela mobilização e peço ao mesmo parlamentar que dê os nomes das pessoas que ficaram encarregadas de fazer essa função de levar público para a Câmara de Vereadores de Campina Grande.

Finalmente, fica a lição para o Vereador Napoleão Maracajá e seu Gabinete excludente. Vocês não me convidaram para organizar e debater as desigualdades raciais em Campina Grande pelos seus interesses inconfessáveis. Também não convidaram Ana Lúcia Sales, integrante com Movimento Negro de Campina Grande com quase 15 anos de atuação em defesa da igualdade racial no nosso município. Portanto, repúdio essa tentativa de quer responsabilizar o esvaziamento aos líderes do Movimento Negro de Campina Grande como se o Jair Nguni tivesse algo a ver com toda essa história. O senhor deveria cobrar isso de quem foi chamado para fazer parte dessa sessão esvaziada, sobretudo de certos oradores que não pertenciam ao movimento negro. Pessoas que não tinham a menor tradição nesse debate por igualdade racial em Campina Grande. Talvez, resida aí a explicação do fracasso dessa sessão especial em matéria de público, já que botar pessoas estranhas as lutas diárias contra o racismo acaba dando nesse tipo de situação vexatória. No mais, saiba que jamais vou aceitar seu ataque injusto e quero ainda lhe dizer que no seu gabinete e no do Vereador Anderson Maia não coloco os meus pés enquanto tiver vida. Se a sua intenção, enfim, era encontrar um culpado pelo fracasso da sessão e, por tabela, ainda posar de democrata e agregador para seus pares e sociedade. Acredito que sua  intenção fracassou com a verdade desses esclarecimentos aqui registrados para a posteridade.

Autor: Jair Nguni- historiador e militante do Movimento Negro de Campina Grande.

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