Como ficou claramente comprovado no episódio e nas repercussões das ofensas raciais ao goleiro Aranha, no solo rio-grandense da Arena gremista, é evidente que estamos cada vez mais dissimuladamente racistas. O preconceito racial, instalado no país com a prisão de homens e mulheres na África aqui transformados em seres inferiores, escravizados em senzalas, lateja na elite-que-se-manifesta em seus domínios sociais, econômicos, culturais e midiáticos-comportamentais com a violência camuflada que viceja, fértil, na casa grande. A apreciação do incidente no palco do Tribunal de Justiça Desportiva iluminado pelos holofotes da imprensa foi a caricatura mais emblemática do racismo entranhado em nossa cultura. Da sarcástica soberba do presidente do Grêmio, ironizando que o racismo acabou no país com a exclusão do clube da Copa do Brasil à defesa dos causídicos a serviço do jurídico tricolor, empregando ditos recursos técnicos de terror, beirando a chantagem, aos algozes togados com posts reveladores, todos incorreram na relativização do crime praticado por alguns torcedores sob a cúmplice omissão dos demais frequentadores do estádio.
Pode-se imaginar, entre estes, gente que se incomode com um celular tocando na sessão de cinema ou que reclame do fumante em ambiente fechado.
Mas não lhes sensibiliza a dor do negro chamado de macaco sob a pantomina dos urros animalescos que imitam um símio.
Neste cenário de tácita parceria moral, os próprios árbitros da partida sequer anotaram na súmula do jogo, que registra os acontecimentos ocorridos no embate esportivo, a dolorosa indignação do homem lastimando-se pelos ferimentos da discriminação étnica, diante dos olhares dos expectadores do século 21.
Cartolas gremistas, advogados por formação, que se manifestaram antes do juri, também expuseram o mesmo sentimento complacente com os criminosos, ao sugerir que Aranha teria simulado as ofensas para ganhar tempo no jogo que seu time vencia.
Punições definidas como exemplares, mesmo que insuficientes ainda, podem no ajudar na reflexão sobre nossa responsabilidade nas práticas racistas que conviverm no nosso cotidiano.
Mas certamente o racismo não vai acabar no Brasil nesta nossa geração, cínica e cúmplice da barbárie que penaliza seres humanos pela diferença de cor e envergonha a humanidade.
André Pereira é jornalista e torcedor do Grêmio
Fonte: Sul21