Em artigo publicado em seu blog na última segunda-feira, 19 de agosto, o jornalista Ricardo Noblat critica o que chama de autoritarismo e excessos do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Não é o caso aqui de examinarmos até que ponto a crítica procede. O jornalista pode discordar da postura do presidente do STF e criticá-lo. A Constituição garante-lhe esse direito. Noblat, no entanto, faz muito mais queuma simples crítica. Ao utilizar argumentos racistas, o jornalista pratica e reforça o racismo tão comum nas relações sociais no Brasil, prestando um desserviço a seus leitores e a sociedade como um todo. É exatamente por isso que nós da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Distrito Federal ( Cojira-DF) resolvemos adentrar nesse debate na expectativa de interagir e condenar a argumentação racista de um colega de profissão.
Não satisfeito em criticar a atitude do presidente Joaquim Barbosa, o jornalista sugere que a postura do ministro é uma equivocada reação radical em contraponto à discriminação sofrida. Sustenta ainda a falácia de que, em geral, é assim que os negros expressam um complexo de inferioridade. Com esse tipo de acusação simplista e mentirosa, Noblat contribui assim para o reforço de práticas racistas comuns no Brasil, principalmente quando as pessoas negras assumem posições de poder e prestígio e não correspondem ao que se espera de uma pessoa negra cordial e sabedora de ‘seu lugar na sociedade’. Aliás, é interessante como o jornalista percebe que o racismo no Brasil não produz racistas e sim negros radicais ou com complexo de inferioridade.
Outra acusação racista da parte de Noblat é tentar desmerecer as qualidades de notável saber jurídico do ministro Joaquim Barbosa. Apoia-se de modo tosco no anonimato de alguns especialistas, que ele qualifica com juristas de primeira linha e diz que a opinião é quase unânime. Ora, bem informado como é, Noblat não ignora a formação acadêmica do ministro Joaquim Barbosa. Doutor em Direito Público pela Universidade Paris II, Mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília, Joaquim Barbosa é professor concursado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e já foi professor-visitante de universidades nos Estados Unidos como a Columbia University School of Law, em New York, e a University of California Los Angeles School of Law. Parece que Noblat se esqueceu de um princípio básico do jornalismo de ver os dois lados, e entre os especialistas anônimos e as instituições acima citadas, não parece difícil saber qual lado deve estar certo.
Para deixar a argumentação do texto ainda mais gravemente racista, Noblat afirma de que o presidente Lula indicou Joaquim Barbosa ao Supremo Tribunal Federal só por ser negro. Noblat afirma ainda que o próprio Lula teria dito, “meio de brincadeira, meio à sério” que o mérito da indicação não era seu preparo e sim sua cor da pele. O jornalista não menciona toda a formação e reconhecimento nacional e internacional que o ministro Joaquim Barbosa possui. Para entender que peso teve a questão da cor de Joaquim na sua indicação para o cargo de ministro , o experiente jornalista poderia pesquisar outros exemplos de ações afirmativas no Brasil e no mundo. Mas parece lhe faltar a sensibilidade humana e jornalística para compreender as desigualdades e os meios para eliminá-las. Em artigo recente escrito em resposta ao texto racista de Noblat, Míriam Leitão esclarece: ” É louvável que o ex-presidente Lula tenha procurado ver os talentos invisíveis. Fernando Henrique procurou uma mulher e isso não desmerece a jurista Ellen Gracie. Países com diversidade — e que discriminam por cor e gênero — devem buscar deliberadamente o fim da hegemonia dos homens brancos nas instâncias de poder.”
Se a motivação de Noblat no transcurso de sua carreira é contribuir para a verdade e para a construção uma sociedade mais justa, como ele já demonstrou em diversas atuações profissionais ou mesmo no compartilhamento de saberes com jovens jornalistas por meio de publicações sobre o fazer jornalístico, ele deverá sair da sua cegueira em relação ao racismo que permeia as relações sociais no Brasil. Infelizmente, seu último artigo contribui para a manutenção do um discurso perigoso que questiona as habilidades das pessoas negras e que desqualifica ações que visam diminuir a discriminação tão injusta em nossa sociedade.
Nesse momento em que o mundo se prepara para comemorar os 50 anos do histórico discurso do reverendo negro Martin Lutter King, proferido no dia 28 de agosto de 1963, nada mais pertinente lembrá-lo: ” Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!” Esse também é nosso sonho para o Brasil, que o ministro Joaquim Barbosa, assim como outros homens e mulheres negras das mais diversas áreas profissionais, sejam julgados pelas suas capacidades, seu comprometimento ou sua eficiência. Nunca, nunca pela sua cor.