Nota de Repúdio Conaq a Res 11-2020-do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro

 

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ repudia, veementemente, as deliberações do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, estabelecidas pela Resolução Nº 11, de 26 de Março de 2020, que prevê a remoção de famílias do Território Ancestral Quilombola de Alcântara, Maranhão.

A referida Resolução do Comitê afronta direitos das comunidades quilombolas, assegurados na Constituição Federal de 1988 e em Convenções Internacionais. É inadmissível a elaboração e aprovação de resoluções que não são construídas a partir de um diálogo democrático com as partes interessadas e com os grupos diretamente impactados. Há um total desrespeito às garantias da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo 143/2002 e promulgada pelo Decreto Federal 5051/04.

A referida Convenção 169 da OIT determina, no Art. 2º, que os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade. Já o Art. 3º, II, estabelece que não deverá ser empregada nenhuma forma de força ou de coerção que viole os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos povos interessados, inclusive os direitos contidos na presente Convenção.

Outrossim, o Art.6º da Convenção 169/OIT determina que ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.
A resolução do Comitê prevê providenciar, por meio do Comando da Aeronáutica, a execução das mudanças das famílias realocadas, a partir de suas comunidades até o local de suas novas habitações. Tal previsão é uma ofensa ao princípio da legalidade e da moralidade da administração pública, tendo em vista que a própria resolução prevê aprovar as diretrizes destinadas a orientar a elaboração do Plano de Consulta às comunidades quilombolas do município de

Alcântara, Maranhão, com vistas a atender ao estabelecido na Convenção nº 169, da OIT.

A publicação, antes da consulta prévia, das providências de remoção viola os direitos dos quilombos. É notória a falta de obediência de ritos legais pelo Comitê de

Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro. Tanto o direito de Consulta Prévia, da Convenção 169 da OIT, como o de garantia dos territórios tradicionais, assegurado no Art. 68 do ADCT da Constituição de 1988, não foram respeitados.

Além disso, chama à atenção a falta de publicidade das diretrizes que orientarão a construção do Plano de Consulta às comunidades afetadas, sendo certo que essas têm o direito de informar como esperam ser consultadas, tendo como referência a experiência dos protocolos de consulta prévia, já construídos por comunidades quilombolas no Brasil. É urgente a participação das comunidades afetadas na construção do Plano de Consulta, tendo em vista que se trata de uma ação que envolve direitos coletivos dos povos quilombolas.

É oportuno também de se destacar, que a publicação da referida resolução é totalmente incoerente com o atual momento por que passam as comunidades quilombolas, o Brasil e o mundo. Em plena fase de isolamento social, devido à pandemia do COVID-19, que já ceifou milhares de vidas, apresenta-se como covarde o estabelecimento de medidas cujo público interessado está impedido de se mobilizar fisicamente para defender seus direitos. Configura extrema crueldade aproveitar-se desse momento para planejar despejar famílias que vivem no território há 400 anos, aumentando ainda mais o abalo psicológico já sofrido pela atual circunstância de isolamento.

Deste modo, reitera-se o repúdio à Resolução Nº 11, de 26 de Março de 2020 e requer-se que o Comitê revogue, na íntegra, o teor do Art.6 desta resolução até a devida realização da consulta prévia, livre e informada junto aos quilombolas de Alcântara.

Brasília, 28 de Março de 2020

COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS – CONAQ

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