Na noite de segunda-feira (08/06), um evento virtual promovido conjuntamente por dois grupos de pesquisa de duas universidades da Bahia sofreu uma invasão virtual. Eu estava lá, convidada pelo professor Carlos da Silva Jr. para apresentar minha pesquisa sobre um liberto, nascido em Mariana; formado em Cânones, em Coimbra; que foi missionário e morreu no Reino do Congo, no final do século XVIII. O evento começou com muita gente na sala virtual, talvez umas 50 pessoas, a maioria conhecida. Dez minutos depois, éramos cerca de 70. Em seguida, começou a entrar mais gente, pessoas desconhecidas e com comportamentos incomuns em eventos acadêmicos (andando pela casa com câmera do celular ligada, por exemplo). Pouco depois, começou a trolagem, interrompendo minha fala insistentemente com anúncios comerciais, pedidos insistentes do número do CPF para realizar compras numa loja, palavras que eu não entendia porque falavam ao mesmo tempo. As imagens e identificação dos participantes também denunciavam algo estranho: a mulher andando pela casa com o celular; uma figurinha de uma mulher negra de turbante; uma foto-montagem de um cão com a cabeça adornada com uma coroa de cabecinhas, identificado como Capivara Africana; a foto de uma mulher nua.
Demorou para cair a ficha! Era uma invasão na nossa live. Suspendemos a reunião após inúmeras tentativas de retirar os estranhos do ambiente, que festejaram a decisão aos gritos de mito, mito, Bolsonaro. Atitude fascista? Sim. Com conotação racista? Sim. Extremamente violenta e ofensiva? Sim. Justifico as conclusões acima remetendo a um contexto maior. Não foi um episódio isolado. Nos últimos dias tem ocorrido várias ações semelhantes. O que há em comum entre os ataques: os eventos “escolhidos” pautam temas como racismo, violência policial e semelhantes. Penso que minha comunicação tratava de um assunto um pouco distante, inclusive cronologicamente falando. Mas talvez o folder com minha foto, o título do evento, as pessoas que o compartilharam nas redes sociais e, sobretudo, a porta entreaberta (o link do Google Meets foi compartilhado no Facebook e no Instagram),o que tem sido uma prática salutar de muitas universidade públicas, ONGS e movimentos sociais para ampliar a participação da sociedade em debates qualificados, atraiu a milícia virtual.
Faço essa nota para agradecer todas as manifestações de apoio e, ao mesmo tempo, chamar atenção para o significado político deste ataque, que vai além da minha pessoa. Foi comigo, mas poderia ser qualquer um de nós.
Eu li sobre o incidente uma matéria que me aborreceu. Um jornalista me pediu uma entrevista, não concedi, simplesmente porque não queríamos dar visibilidade à ação dos marginais. Mas como a notícia – muitas vezes replicada – fez a absurda inferência de que eu estaria muito abalada, o que, espero, tenha soado estranho e até mesmo absurdo para os que me conhecem, resolvi aqui esclarecer as coisas. Entendo que está em curso uma nova estratégia da tal “guerra cultural”, eles estão perdendo as ruas, querem nos acuar nas redes. Então vamos cuidar da nossa segurança virtual enquanto prosseguimos com nossa balbúrdia acadêmica, porque, para variar, não temos trégua nem com a pandemia.
Lucilene Reginaldo
Erramos
Na tarde da última quinta-feira (11), o Portal Geledés replicou a matéria do iG, que continha informações erradas sobre o evento virtual em que a professora Lucilene Reginaldo estava presente. Assim que soubemos que a publicação continha erros, ela foi retirada do ar e das nossas redes sociais.