Nunca foi uma questão de mérito

Quem ingressou em instituições federais ou privadas por meio de ação afirmativa apresentou desempenho acadêmico superior

FONTEFolha de São Paulo, por Ana Cristina Rosa
A jornalista Ana Cristina Rosa é Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública) - Foto: Keiny Andrade/Folhapress

Não há segunda chance para a maioria dos brasileiros. Por isso, quem se vê diante da melhor (senão a única) oportunidade de mudar de vida costuma agarrar com unhas e dentes. Faz das tripas coração porque sabe que o “cavalo” provavelmente não irá “passar encilhado” de novo.

Os dados do Censo da Educação Superior 2023, divulgado em outubro, confirmaram essa constatação. Quem ingressou em instituições federais ou privadas por meio de ação afirmativa apresentou desempenho acadêmico superior.

Nas universidades federais, 51% dos cotistas concluíram os cursos no último ano; entre não cotistas, o índice foi de 41%. Nas faculdades privadas, 58% dos beneficiários do Prouni e 49% dos beneficiários do Fies finalizaram a graduação. Entre os que não contaram com bolsa ou financiamento estudantil, os percentuais são, respectivamente, de 36% e de 34%.

Dez 10 anos de cotas raciais nas universidades – Zanone Fraissat – 24.ago.2022/Folhapress

Cotas não se opõem ao mérito. Ao contrário. Como se sabe, o perfil dos cotistas nas universidades é de gente de baixa renda, que veio de escolas públicas e majoritariamente pretos e pardos. Quem nunca teve as coisas de mão beijada costuma valorizar cada conquista.

Levantar de madrugada para trabalhar e ir dormir tarde porque estuda à noite; morar longe; passar horas dentro de um ônibus, trem e/ou metrô lotado; passar fome… Isso e mais uma porção de coisas nutridas pelas desigualdades impactam e definem o futuro de milhões. É preciso agir para equiparar oportunidades.

Censo da Educação Superior é um tapa na cara dos que propagam o discurso mentiroso de que cotistas não têm mérito ou de que cotas são “discriminação reversa”, como afirmou o Conselho Federal de Medicina (CFM) na ação civil pública que moveu contra a reserva de vagas no Exame Nacional de Residência.

Acesso à formação universitária pode não ser garantia de uma vida boa, mas com certeza é um requisito sem o qual o cotidiano costuma ser mais massacrante. A maioria do povo brasileiro sabe disso. Em 2023, houve o maior crescimento no número de universitários registrados no país em nove anos. Aproveito para sugerir a leitura do livro “De Onde Eles Vêm“, de 2024, de Jeferson Tenório.


Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

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