A notícia sobre a menina vítima de intolerância religiosa mexeu com minhas memórias.
Por Roberto Dalmo, do Brasil Post
Durante todo o tempo que trabalhei na Educação Básica, ministrando aula de Ciências, busquei fazer atividades diferenciadas, pensando a introdução de alguns conteúdos a partir de temas que fossem trazidos pela dinâmica da sala de aula – isso era bem reconhecido tanto pelos estudantes quanto pelos coordenadores.
Em uma dessas aulas, após dois anos de escola, perguntaram sobre minha religião e, sem pensar duas vezes, disse que não era religioso. Em seguida a estudante questiona o caráter de pessoas sem religião (E isso não tem problema algum porque a sala de aula é uma espaço para debate e aprendizagem).
A partir de uma conversa sobre religiosidade publiquei no grupo da turma do Facebook que iria, na semana seguinte, trabalhar com o tema “religiões afro” -possibilidade reconhecida pela comunidade acadêmica. Apresentei a lei, pedi a concordância dos estudantes. Todos de acordo, uma beleza.
Assim, no primeiro momento da aula trouxe um filme chamado “O jardim de folhas sagradas” de Pola Ribeiro, no qual o personagem principal é candomblecista. Tivemos o debate mais estimulante da minha trajetória de professor e, na semana seguinte traria a relação daquele contexto com os temas de bioquímica presentes no segundo bimestre do segundo ano do Ensino Médio.
A semana seguinte nunca ocorreu.
Tive a notícia que fui demitido e alguns professores me falaram que o motivo foi a aula sobre o candomblé – a coordenadora na época citou isso na sala dos professores.
Como assim? A lei 10639/2003 torna possível a abordagem de alguns temas de cultura e história afrobrasileira nas aulas e, além disso, a escola não era confessional e a abordagem não era religiosa, ou seja, não estávamos professando fé, mas discutindo sobre as representações da religião na sociedade.
Fiquei indignado com a situação na época e foi o marco de minha luta pelos Direitos Humanos.
Aulas de ciências são SIM um espaço para pensamento e para o enfrentamento de visões preconceituosas. Escrevi o livro “Educação em Ciências e Direitos Humanos” que relatava um pouco do ocorrido.
Difícil não interpretar essa demissão como racismo disfarçado de intolerância religiosa. Se eu falasse de Buda, eu seria demitido? Se falasse de Cristo, eu seria demitido? Na época a direção do colégio inventou mil desculpas e nenhuma delas foi a abordagem desse tema – uma coincidência enorme (leia com ironia) que a demissão tenha sido logo na semana seguinte a essa abordagem.
A tentativa de silenciamento daquela discussão foi motor para uma luta constante contra as violações de Direitos Humanos.
Enquanto a escola não for um ambiente de buscar a igualdade nas diferenças, enquanto a escola não for um espaço de repensar os preconceitos, as crianças continuarão sendo apedrejadas.
Por isso sigo uma essa luta.
Toda minha solidariedade ao povo de axé, ao qual não faço parte por crença, mas compartilho a mesma vontade por justiça social.