“ora (direis) ouvir estrelas, certo perdeste o censo”? Olavo Bilac
o dragão do ódio foi derrotado.
esperava-se – ou melhor, esperavam os seus seguidores -, que o sujeito contestasse o resultado do pleito.
acreditavam que a auditoria de araque, feita pelo exército, apontasse sinais claros de fraude nas urnas eletrônicas.
ou que o necrarca pedisse, como o fez o aécio em 2014, a recontagem dos votos.
ou, em último caso, que o imbrochável se recusasse a entregar a faixa ao seu bem-sucedido sucessor, fizesse birra e se trancasse no planalto gritando: “daqui ninguém me tira”.
esperava-se, enfim, e isso esperávamos todos, que o sujeito surgisse de pau duro, totalmente enviagrado, dedo em riste, esbravejando e cagando pela boca, como o fez durante esses 30 anos de vida pública.
“cala a boca”, “tu sabe que eu sou favorável à tortura”, “dá qu’eu te dou outro”, “não te estupro porque você não merece”, “vamos fuzilar a petralhada”…
o gado bípede verde-amarelo estava certo de que o monstro mitificado apareceria na noite da derrota como um dragão, a cuspir fogo.
em casa, cacs lustravam seus trabucos novos, uns ajustavam a pontaria em estandes de tiro, outros já lambiam o cano dos rifles, prontos para o embate civil, sedentos por abater petistas nas ruas e terminar o trabalho que zambelli começou.
para isso, bastava que o bezerro de ouro mostrasse resistência, que quebrasse a janela do palácio com os chifres e surgisse, fuzil na mão, a dar tiros contra a polícia, ao lado de padre kelmon, que se encarregaria de lançar as granadas.
mas o desgraçado brochou, desgraçadamente!
trancado na casa de vidro, trancou-se no banheiro e se pôs a chorar, como um menino mimado.
às dez da noite, como fazem as crianças, ele desligou as luzes e foi dormir, de costas para a esposa, bunda com bunda; claro que sob efeito de fortes tranquilizantes.
ato contínuo, as ruas se transformaram em um bumbódromo.
o boi-bumbá verde-amarelo mugia, aos berros, sem saber que palavras de ordem entoar, uma vez que não receberam voz de comando.
atordoado com a enigmática manifestação imanifesta do líder supremo, acéfalo, sem ouvir o trombetear do berrante do rei do gado, bois e vacas decidiram avacalhar a paz dos cidadãos.
zé trovão, calçando uma tornozeleira eletrônica, como um papagaio doméstico, voltou à cena – não há espaço vazio na política -, e, com ele, caminhoneiros caminharam para as estradas.
sob o efeito manada, o gado bípede seguiu o raio trovejante, empresários irresponsáveis, agrocriminosos, ecocidas de toda sorte, jovens desocupados, coroas aposentados, velhas pensionistas e toda sorte de mamateiros passaram a atear fogo em pneus nas rodovias, congestionando o trânsito e bagunçando o tráfego trêfego.
na falta do que fazer, oravam e rezavam, joelhos no chão, pedindo a deus que restituísse a voz ao líder acovardado para que ele sinalizasse os próximos passos.
muitos cantavam o hino nacional fazendo saudação nazista.
a ampulheta do tempo seguia despejando areia de cima pra baixo; passaram-se 24 horas e, ao contrário da sua falange criminosa, o boca de bueiro permanecia silente.
até que um oráculo enchifrecido decifrou a mensagem enigmática: “bozo permanecerá calado por 72 horas, para que se cumpra a profecia constitucional, que diz claramente que depois disso, conflagrado o tumulto nas ruas, o messias voltará a falar e pedirá uma intervenção federal”.
houve choro e ranger de dentes, “oh, glória, osama nas alturas”, gritavam os seguidores do bin laden tupiniquim.
jesus armado!, orou cássia kiss, de joelhos, “derrubaremos as muralhas de jericó”.
veja você que ideia de jerico.
a mensagem oracular se espalhou como bufa; zappers, facers, instagramers e telegramers se encarregaram de multiplicar a boa nova.
o passarinho do twitter se converteu em pombo-correio mentiroso, a bravata ganhou as ruas: como o exército de judas macabeu, esses valentes desocupados resistiriam por 72 horas e, então, o inferno se instalará sobre a terra sob as bênçãos de malafaia.
até lá, é balbúrdia, provocação e desordem civil.
fake news passaram a brotar de todos os cantos, a mentira é a ração do midiota: “acaba de sair o pedido de prisão de alexandre de moraes”, e os imorais gritavam, choravam e rangiam os dentes”.
“saiu o resultado da auditoria, foi comprovada a fraude nas runas”, e o gado mugia de felicidade, mulheres em idade avançada rolavam pelo chão, muitas choravam.
e nesse frenesi eles se esqueciam das chuvas, do frio e do sereno noturno, “conhecereis a mentira e essa vos escravizará”.
multiplicaram-se as barricadas, o rebanho inteiro foi para as ruas, mais de 700 avenidas por todo o país estavam paralisadas, o trabalhador, cansado, estava impedido de voltar pra casa, a economia já registrava prejuízos.
insumos começaram a faltar em unidades de saúde, produtos perecíveis pereciam parados nas rodovias: “e economia a gente vê depois”, mugiam os celerados.
a polícia passou para o lado dos delinquentes, a mesma polícia rodoviária federal que impediu lulistas de votar, trancando rodovias, agora abraçava os derrotados, gadificando-se, criminosamente.
de frente aos quartéis do exército, lambendo coturnos, a multidão pedia reforço verde-oliva.
mas os ricaços não estavam gostando nada daquela brincadeira e reclamavam da perda de dinheiro; o bolso é o órgão do corpo mais sensível dessa gente.
finalmente, passaram-se 72 duas horas, a profecia haveria de se cumprir.
já era noite do dia dos finados quando o bezerro de ouro apareceu na tevê, vestido em mangas de camisa, como zé lensly, a imagem dava esperanças.
porém ao contrário do palhaço ucraniano, que sempre surge com o nariz nervoso, entupido de cocaína, o nosso bufão tupiniquim surgiu abatido, a cara chorosa, a voz abafada, paumolescente como um derrotado.
e pediu calma aos iracundos.
“desobstruam as avenidas”, ordenou o líder acovardado, “paulo guedes está, pela primeira vez em toda a sua vida, preocupado com a nossa economia”.
o gado arrastou os chifres no chão, choro e ranger de dentes.
atordoados com aquela falta de valentia, frustrados em ver aquela cara de ressaca derrotista, disseram que aquilo só poderia ser uma armadilha do sistema.
“alguém estava com uma arma apontada pra cabeça dele”, disseram uns, “é uma deep face feita por bruno sartori”, anunciavam outros, “o safado nos abandonou com medo de ser preso”, gritavam os mais realistas.
em pouco tempo, cansados das bravatas auto-enganadoras, começou o chororô; a decepção era geral.
“ora, esse é, sem dúvida, um falso messias”, disse um crente discrente, “uma profecia nunca está errada, estávamos a seguir um farsante”.
ato contínuo surgiu um novo líder, que até então era só mais um dos líderes dos caminhoneiros; microfone em punho, o cabra anunciou outra boa nova: “não estamos mais nas ruas para defender bolsonaro, não o queremos mais, agora queremos que o exército tome o poder”.
“mil vezes vivas!”, bradou o gado bípede.
e esse foi, no dia de finados, o último mugido lacrimejoso pelo cadáver insepulto do bezerro de outro.
era como se jogassem terra no corpo putrefato, como se botassem o último prego no caixão.
essa catarse coletiva foi um rito de passagem; agora, de olhos abertos, eles passaram a enxergar a realidade.
em resposta à conivente e omissa prf, que havia dito que não tinha efetivo suficiente para debelar o motim, a torcida do atlético mineiro desceu dos busões e botou a turma pra correr, abrindo caminhos.
em seguida, foi a vez dos gaviões da fiel destruírem barricadas, “rapá fora, cambada de frouxos!”
e logo veio a mancha verde e a torcida jovem, o gado corria atordoado.
as barricadas iam caindo uma por uma.
então, os governos estaduais resolveram arregaçar as mangas, e as polícias começaram a jogar gás de pimenta e meter balas de borracha no lombo dos arruaceiros.
já no final da noite, uma imagem encerrava definitivamente a balbúrdia: do portão de um quartel do exército, onde os alucinados pediam reforço verde-oliva, um sujeito foi lançado pra fora, como um saco de merda.
caiu no chão, com as calças arreadas.
sem mídia, sem o apoio da polícia e do exército, abandonados pelo falso messias, derrotados nas urnas, humilhados nas ruas, o gado volta, gradativamente, ao curral doméstico.
mas a cobra ainda vai fumar, dessa vez por lado deles.
é chegada a hora de se fazer cumprir a lei, todos que atentaram contra o estado democrático devem ser punidos.
bola de ferro nos calcanhares dos antidemocratas que lideraram e incentivaram os insurgentes.
vida que segue.
a mídia já se ocupa das novas boas novas.
lulinha já dá início à transição, alckmin foi convidado a visitar o palácio que será sua nova morada.
o barba, saudado por líderes mundiais, viaja pelo mundo.
ministérios vão sendo montados, marina silva volta ao meio ambiente, a cultura vai voltar a promover alegria, entretenimento e conscientização, teremos uma cearense na educação, janja faz planos de ter um filho, no palácio, onde o amor voltará a reinar.
os fracassados perguntam, “onde estavam os 60 milhões de brasileiros que votaram em lula enquanto o inferno baixava sobre a terra?”
bem, em verdade vos digo: uns estavam trabalhando, outros estudando, havia os que douravam a pele em praias, outros que banhavam-se em cachoeiras, uma turma mais serelepe lotavam gafieiras, bate-coxas e bate-bundas, muita gente tomava uns drinks dançando sambas, namoravam as estrelas, conversavam com os passarinhos, transavam…
e assim permanecerão, porque viver é isso.
mas sempre vigilantes, punhos erguidos, endurecendo sem perder a ternura; há uma nação a ser reconstruída, com paz, humor e amor.
aqueles midiotas morreram nas ruas ontem, atrapalhando o tráfego; na verdade, eles nem estavam em luta, estavam em luto.
agora é chorar enquanto os vermes roem o cadáver do falso messias.
não existirá um bolsonarismo depois de bolsonaro, da mesma forma que não há trumpismo depois de trump.
bolsonaro foi fabricado pela mídia irresponsável, que procurava alguém que fizesse frente ao antipetismo que ela também fabricava.
esse estrume saiu do anonimato do baixo clero e ganhou notoriedade em programas de humor sem graça, ou em programas de auditório de baixo nível.
todo dia metiam uma facada no bucho dele e o faziam crescer entre as massas de midiotas; ele só sabe um versículo da bíblia, que o cita a todo momento, e só tem um lema que entoa como um mantra, deus, pátria e liberdade.
é um vazio profundo!
é certo que os racistas, os homófobos, os classistas… essa patologia social continuará existindo, mas não mais articulada, porque o seu líder, desmoralizado, simplesmente foi derrotado.
ponto.
o necrarca poderá até liderar a oposição, quem sabe?, mas sem discurso, sem um projeto de nação, só na bravata, só na garganta, cairá em descrédito rápido: não haverá mamadeira de piroca, nem kit gay, nem banheiro unissex nas escolas, nem fechamento de igrejas, nem crianças com os dentinhos arrancados para fazer sexo oral…
com qual material novo ele vai trabalhar, uma vez que estará desmentido pelos fatos?
o centrão gravitará em torno do poder de lula, os militares voltarão aos meios-fios, falsos jornalistas que pregavam o pânico serão demitidos, a grana do governo vai parar de pingar na conta de bandidos digitais, a desmonetização vai criar uma onda de desmotivação.
enfim, xandão vai botar uma malta enorme atrás das grades e o ex-presidente responderá por uma infinidade de crimes.
é possível que acabe atrás das grades, como um rato imundo.
palavra da salvação.
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