O belo da riqueza dos dialetos do português brasileiro

Não faz muito tempo, em São Luís, capital do Maranhão, telefonei para uma amiga. O filho dela atendeu. “Diga à sua mãe que foi Fátima Oliveira, colega dela, quem telefonou. Desejo falar com ela antes de voltar para Belo Horizonte”. Conforme o prometido, telefonei no mesmo dia e ela atendeu. Repetiu as palavras do filho: “Mãe, ligou uma amiga sua. Esqueci o nome, mas ela não é daqui, pois, tem uma fala estranha”.

Por  Fátima Oliveira

 

Aquilo martela, até hoje, em meu juízo. Após um quarto de século em Beagá, com uma passagem de quatro anos por Sampa, acostumei-me à pergunta “Você é de onde?”, mal abro a boca; logo, fiquei assustada de ser ouvida como uma “fala estranha” no meu Estado, o Maranhão! O ocorrido levou-me a estudar os dialetos do português falado no Brasil – variantes da língua, o tal sotaque, e não um modo de falar errado e execrável, pois se a grafia culta da língua é una, o modo de falar é diverso e deve ser respeitado!

O “pt-BR” – código de língua para o português brasileiro -, embora de grafia culta una, é um conjunto de variantes de modos de falar no Brasil desde 17 de agosto de 1758, quando o marquês de Pombal decretou o português como a língua oficial do Brasil e proibiu a utilização da língua geral, grosso modo, a “língua de contato” entre diferentes tribos indígenas e delas com os portugueses. Isto é, “uma língua franca entre contatos indígenas” que exerceu influências marcantes sobre a língua portuguesa europeia.

“A língua geral possuía duas variantes: a língua geral paulista: originária da língua dos ameríndios Tupi de São Vicente e do alto rio Tietê, que passou a ser falada pelos bandeirantes no século XVII. Dessa forma, ouve-se tal idioma em locais em que esses ameríndios jamais estiveram, influenciando o modo de falar dos brasileiros. O Nheengatu (ie’engatú = língua boa): uma língua tupi-guarani falada no Brasil e em países limítrofes – é uma língua de comércio, desenvolvida ou compilada pelos jesuítas portugueses nos séculos XVII e XVIII, fundamentada no vocabulário e na pronúncia tupinambá e que tem como referência a gramática da língua portuguesa, com vocabulário enriquecido com palavras do português e do castelhano”.

A minha “fala estranha” faz com que eu seja estrangeira em todos os lugares, pois falo alguma coisa em que ninguém se reconhece – um problema de identidade linguística monumental do ponto de vista pessoal! Na serra do Arapari, lá pras bandas do Barro Azul, atual Fazenda Santa Rita de Cássia – que já foi Imperatriz, depois João Lisboa e agora é Senador la Rocque -, que o povo chama de a Fazenda do Padre, sempre que chego lá o problema se avoluma de tal modo que nos primeiros dias preciso andar com o Tio Luís, o vaqueiro, tendo-o a tiracolo como tradutor, caso contrário, é arriscado fazer negócios errados, simplesmente por questões linguísticas!

Após uma semana, nada mais soa estranho e passamos a entender, e até a incorporar, os “hem-hem”, “pucardiquê”, “prumodiquê” etc. e tal, que compõem o linguajar sertanejo maranhense… Não é raro ter vontade de cavar um buraco no chão e nele entrar quando alguém indaga: “Ô Luís, o que mesmo a doutora quis dizer?”.

O Biel tão logo se mudou pra lá, certo dia, irritadíssimo por não entender o que falara o frentista de onde paramos para abastecer o carro, disse-me: “Eu não entendo o que esse povo fala, mãe! Como morar aqui?”. Usei toda a minha autoridade de mãe sertaneja: “‘Prestenção’, porque esse povo é o seu! E também não terá outro povo para trabalhar pra você, não!”.

Fonte: O Tempo

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