O recente debate político nas redes sociais, e fora dela, é curioso. Particularmente, curiosíssimo! Um turvo esboço do tempo histórico o qual atravessamos. Dentre das possibilidades em jogo, vejamos suas ações e consequências do tão alardeado “cidadão de bem”, um novo (mas não tão novo assim) eufemismo para relatar o sujeito do cotidiano e que se apresenta como detentor da verdade divina e protegido pela sacralidade cristã.
Por Wellington Fontes Menezes Do Espaço Acadêmico
Se o sujeito está doente, irá um médico. Se o sujeito está passando por problemas emocionais, irá a algum dos meus colegas psicólogos ou psicanalistas. Ainda, se o sujeito está com fome, certamente irá a um restaurante, uma lanchonete ou procura entender como se prepara uma refeição.
Porém, quando o assunto é política, o sujeito movido com alta octanagem da fragilidade do senso comum (o qual hoje se transformou no “senso infantilizado”), não tem dúvida: trata tudo como se fosse matéria fidedigna “verdade” oriunda da elaboração fantasiosa via “geração espontânea” da mente dele situado como se estivesse numa mesa de boteco, ingerindo todas as doses de cachaça ou cerveja possíveis para desenrolar um cabedal de bobagens sem limites.
Doravante, existem questões mais profundas. Entre elas a necessidade de refletir os motivos e quais os interesses de fazer da política não um instrumento essencial do sujeito da vida cotidiana, mas um mero objeto banal de pouquíssima importância real na sua vida, exceto para gozo da ignorância primária.
Não devemos canonizar a política (ou qualquer outra área do conhecimento humano), mas é pertinente responsabilizar nossos posicionamentos a respeito dela e, de todo assunto o qual se deseja manifestar como “sujeito-do-suposto-saber”. Não é lícito e tampouco ético, atacar, ofender e depois sair correndo com a desculpa que precisa ir ao banheiro ou, como virou praxe, que não disse “aquilo” que se pretendida dizer. A ação dos atos falhos, retomando premissas freudianas, é a porta dos fundos de uma linguagem operada pelo recalque na inconsciência.
Voltando ao sujeito autodeclarado “cidadão de bem”. Na plenitude de sua onipotência, esse sujeito não quer ouvir ninguém que tenha um mínimo de conhecimento mais elaborado a respeito da política. Afinal, a tal “política”, para esse sujeito, a macro-política, não é conhecimento derivado de um olhar histórico, social, conjectural e perceptivo. Segundo tal simplificação, o sujeito, com seu ego encharcado de ódio primal e ignorância recebida por osmose, tem a ciência que para ele a política é como piolho, ou seja, habita na cabeça de qualquer um que possa ler algumas páginas de revistas sensacionalistas ou noticiários tão elucidativos quanto à claridade das águas putrefatas do rio Tietê que corta São Paulo.
É importante lembrar que o fascismo europeu que malogrou com toda a força na Europa na primeira metade do século XX respigando em todo o mundo, originou, entre outros aspectos cruciais, das fileiras da ignorância, da exploração do ódio primal, do desprezo ou desapego à memória histórica e do desejo de abraçar fáceis “verdades” palatáveis. Portanto, ao dizer afirmações aleatórias movidas apenas pelo ranço pessoal com se fosse o mais fino substrato da verdade, o desejo de gozar com o ato de odiar um objeto de suposto amor, o sujeito abre mão da possibilidade do debate, ressignificação de concepções e o enriquecimento de ideias, e abraça a sua ignorância primária. Fato que se tornou patente de orgulho famigerado e confiança alucinada do dito “cidadão de bem” diante dos mecanismos de defesa psíquica dele.
Diante da terra minada por areia e debates da profundidade de um pires, dentro ou fora das redes sociais, o debate da política se tornou não mais um território da orquestração de suas ideias, posicionamentos e conjecturas, mas um território livre para as derivações composta de um nanômetro de conhecimento, o elogio profundo à estupidez e a consagração das alucinações do boteco no gozo da sua ignorância primária.
Para se desvencilhar da nefasta da onda conservadora com um flerte fascista que vem contaminando o pensamento cotidiano da sociedade (particularmente das classes sociais intermediárias), o caminho é longo e os debates parecem se tornarem cada vez mais curtos e povoados de afetações intolerantes, estéreis e truculentas.