O Brasil pós-pandemia em disputa

Muito se fala que sairemos diferentes dessa pandemia, e que o mundo não será o mesmo quando tudo isso passar.

A “verdade” (o que é verdade, afinal de contas?) é que estamos em estado permanente de mudança, de estar-sendo e de vir-a-ser, na concepção freireana.

Então, por que ressaltar que sairemos diferentes se já estamos em constante mudança?

Arriscamos dizer que a cumulação de grave crise sanitária e grave crise econômica, inclusive quanto aos seus fundamentos vigentes (o da ortodoxia neoliberal “austericida”), tende a nos afetar de maneira muito mais profunda, visível e tangível. Daí não parecer etérea ou retórica a ideia de que sairemos – a humanidade e o planeta – diferentes dessa pandemia.

Não temos o domínio das distinções ontológicas, sociológicas, antropológicas, econômicas ou filosóficas para teorizar a respeito desse momento disruptivo por que passa a nossa civilização humana, tão destituída de civilidade e humanidade, mas dá para sentir e tocar as mudanças.

Pensamentos como o de Paulo Guedes, por exemplo, nos ajudaram a chegar até aqui tão desaparelhados e desmobilizados para essa “guerra”.

Insistir no caminho do endeusamento das leis de mercado, da minimização e deterioração dos serviços públicos e da naturalização das desigualdades, é seguir veloz e em linha reta para o abismo, que tragicamente pode ser representado por uma vala comum num cemitério de qualquer lugar do país.

É notório que o receituário neoliberal – que está mais para obituário – está matando o país, no sentido literal do verbo.

Aqueles (no masculino mesmo, porque são todos homens, e brancos) que instituíram o teto de gastos, que desfinanciou ainda mais o subfinanciado SUS; que implodiram a CLT e precarizaram os direitos trabalhistas, em nome de uma promessa estelionatária de geração de empregos; que desmantelaram o Programa Mais Médicos, privando milhões de vulneráveis de assistência à saúde; que enfraqueceram o Regime Geral de Previdência Social, empobrecendo mais ainda famílias pobres e dependentes dos benefícios previdenciários; e que, por fim, cobram sacrifício dos trabalhadores da iniciativa privada e dos servidores públicos como contribuição à crise, mas se recusam a cobrar mais impostos dos multimilionários e detentores de grandes propriedades, não servem para governar o nosso país, se quisermos realizar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil inscritos no artigo 3º da Constituição Cidadã.

O Estado pós-pandemia está em disputa agora, em plena crise. É preciso mobilizar todas as forças da sociedade civil no sentido de aprofundar e perenizar políticas e programas de distribuição de renda, segurança alimentar, fortalecimento do SUS e da educação pública, garantia de moradia digna para todos, ampliação do investimento público em sistemas de abastecimento de água, saneamento e mobilidade urbana.

É preciso, por fim, alterar radicalmente a maneira como são e de quem são cobrados os impostos no Brasil.

É preciso tributar adequadamente os ricos por uma questão de justiça, eficiência e equidade, mas também de necessidade de financiamento do Brasil pós-pandemia, porque, afinal, imposto deve ser sinônimo de justiça e de solidariedade social.

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