O capitalismo religioso e racista da filha do dono do baú

Primeiramente, fora Temer! Segundo, devo confessar que sou um telespectador quase assíduo do Jogo dos Pontinhos, quadro exibido dentro do programa Silvio Santos, e que têm no elenco fixo da atração, beldades como Ellen Ganzarolli e Lívia Andrade. O maior apresentador da TV brasileira costuma deixar os seus comandados bem à vontade para interagirem entre si, com a plateia e também para emitirem suas opiniões sobre assuntos diversos. Aí é que mora o perigo!

Por Nêggo Tom Do Brasil247

Patrícia Abravanel, integrante do elenco da atração e filha do dono da emissora, não costuma dar muita sorte quando tenta expor o seu ponto de vista a cerca de alguns assuntos. Na verdade, em quase todos, ela é traída, ou pela falta de conhecimento sobre a matéria ou simplesmente pelo seu achismo. Achismo esse quase sempre baseado em sua crença religiosa. Ter e emitir uma opinião é bem diferente de querer impor a sua opinião ou de apresentá-la como uma verdade imperiosa sobre as demais. Mas parece que a filha do dono do baú não pensa dessa forma e faz questão de deixar isso bem claro.

Em um vídeo que está circulando pela internet, Patrícia mais uma vez pisa feio na bola. O vídeo de 41 segundos de duração mostra a herdeira do SBT dando a sua opinião sobre a África, que segundo ela, “é muito mística e a gente vê as consequências. E os Estados Unidos é (sic) um país mais racional, protestante, onde acredita no suor. Então, eu acho que a gente deve avaliar a nossa crença através dos frutos que ela nos (sic) traz” Patrícia conseguiu ser racista e xenófoba ao mesmo tempo. E isso é para poucos. Ou para muitos que se deixam trair pela empolgação e acabam revelando todo o preconceito internalizado dentro de si.

Mas como racismo pouco é bobagem, Patrícia foi mais além à sua teoria de menina rica e que conquistou por méritos um espaço na televisão. Segundo ela: “Países muito místicos, muitas vezes tem consequências, o povo deixa de trabalhar porque fica tão místico, que deixa de fazer as coisas certas pra poder chegar a um objetivo. Em países mais racionais, que tem uma fé em Deus, mas que acredita no esforço, no suor, no trabalho, (…) esses países vão mais pra frente” Os europeus exploradores e escravocratas concordam com ela. Alguns religiosos estelionatários da fé alheia, também.

Acho que alguém do seu mesmo nível social deveria alertá-la de que a África não é um país e sim um continente. Eu, no auge da minha insignificância na fila do pão, me sinto constrangido em fazê-lo. Ao que parece Patrícia, andou cabulando as aulas de História. Sugiro que ela leia um pouco sobre o Imperialismo na África, que determinou a repartição do continente entre as potências europeias. Durante séculos os colonizadores estrangeiros exploraram o continente africano e deixaram por lá todo esse rastro de miséria e opressão, o qual ela chama de consequências de um misticismo irracional.

Também me sinto constrangido em ter que dizer a filha do dono do baú, que a definição de misticismo a condena e condena a todos que tenham uma fé, independente de religião. Misticismo significa a crença de que o ser humano pode comunicar-se com a divindade ou receber dela sinais ou mensagens. Ou ainda, inclinação para viver de modo contemplativo, disposição para crer no sobrenatural, busca da comunhão com uma derradeira realidade, divindade, verdade espiritual ou Deus através da experiência direta ou intuitiva. Sendo assim, eu, como católico, crente em Deus e depositante de fé em seu poder espiritual superior, sou um místico. Um evangélico é um místico, assim como um umbandista, um budista, um espírita e qualquer outro que possua uma fé em Deus ou em algo superior e busca uma unidade com esse poder absoluto, através de preces, rezas, mantras ou orações.

A falta de racionalidade que ela atribui aos povos africanos e a insinuação de que eles optam por fazer “coisas erradas” para conseguir os seus objetivos contribui para perpetuação do racismo e dos estereótipos atribuídos aos negros ao longo dos tempos. É mais do que uma opinião, é uma afirmação racista e preconceituosa. Estimula a segregação racial, cultural e econômica na sociedade. Eterniza expressões racistas como: negro preguiçoso, negro fujão, negro safado. Impõe inferioridade humana, cultural e intelectual aos povos de origem africana. É o uso de convicções religiosas e pessoais para tentar justificar a covardia da desigualdade racial e social, que muitos ditos racionais, como ela, têm o hábito de propagar como verdade absoluta e assim institucionalizarem e legitimarem em benefício próprio, o racismo nosso de cada dia.

Ela citou o protestantismo dos Estados Unidos como exemplo de crença civilizada, racional e que gera bons frutos. Espero que ela não tenha tentado associar os protestantes sérios de lá, com alguns daqui, que costumam protagonizar espetáculos deprimentes, não apenas de irracionalidade, mas também de desonestidade moral e espiritual. Mas é inegável que gera bons frutos. Principalmente na vida material de muitos líderes religiosos que vivem à custa do dízimo alheio, construindo fortunas e satisfazendo as suas vaidades, numa demonstração de que o suor, do rosto alheio, pode fazer você alcançar os seus objetivos. Será essa a referência religiosa, racional e de como fazer as “coisas certas” que Patrícia tem na sua vida? Caso seja, é bem diferente de como o seu pai alcançou o objetivo dele e se tornou o mais respeitado comunicador do Brasil.

Ao dizer que o povo africano deixa de trabalhar porque fica muito místico, Patrícia estende o mesmo misticismo a muitos pastores protestantes, que de tanta fé no sobrenatural, largam seus empregos de assalariados e apostam numa carreira profissional religiosa, vendendo milagres e atraindo ovelhas como credores do seu investimento. Isso sim é saber avaliar bem as suas crenças e os frutos que elas podem produzir. Atribuir à condição social miserável que aflige a maioria do povo africano a crenças religiosas é uma afronta à inteligência de qualquer um que tenha e faça uso de pelo menos um neurônio. É uma atitude de má fé e maldade contra o seu semelhante. É ignorar ou omitir o desconhecimento de que muitos homens racionais e bem sucedidos apelaram a pactos ocultos e desonestos para irem “pra frente” e conquistar territórios e continentes, sacrificando o direito dos menos favorecidos.

Patricinha fez jus ao rótulo atribuído a seu nome para designar uma menina rica, mimada, cheia de vontades, apegada a conceitos sociais distorcidos da realidade e que sempre teve tudo de mão beijada. Ela é o retrato de boa parte da nossa elite, preconceituosa, racista, seletiva, aristocrática, superior, mas que nem sempre consegue dar bons exemplos de racionalidade, inteligência e civilidade. Aposto que a menina Maysa, de origem pobre, mas de um talento nato e inquestionável a frente das câmeras, teria tido uma opinião menos incoerente e mais humana. Aliás, bem que ela poderia ocupar aquela cadeira por mais vezes no jogo dos pontinhos. O bom senso agradece!

Tchau, Patrícia! Volta Maysa!

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