O conceito de gênero por Pierre Bourdieu: a dominação masculina

Conceitos de grande importância para a sociologia e antropologia, cunhados e/ou trabalhados ao longo da obra do sociólogo francês Pierre Bourdieu, como violência simbólica, habitus e arbitrário cultural, são estendidos para uma análise da questão de gênero em um artigo, publicado originalmente em 1990, chamado A dominação masculina (1995), que pouco mais tarde se transforma num livro homônimo.

por Adriano Senkevics,

Conforme já afirmado nesse blog, Bourdieu não trabalhou com um conceito de gênero propriamente dito. Na sua referida obra, esse conceito não dá as caras. Entretanto, o seu pensamento sobre o masculino e o feminino passa por um trajeto em alguma medida similar ao das autoras até então discutidas, sendo válido chamá-lo para o debate.

O conceito de gênero por Pierre Bourdieu: a dominação masculina

Bourdieu, condizente com sua teoria, trata a questão da “dominação masculina” principalmente a partir de uma perspectiva simbólica. Para ele, a dominação masculina seria uma forma particular de violência simbólica. Por esse conceito, Bourdieu compreende o poder que impõe significações, impondo-as como legítimas, de forma a dissimular as relações de força que sustentam a própria força.

Desculpem-me pelo jargão complicado, típico dos escritos de Bourdieu, mas o que o sociólogo quis dizer com isso é justamente a manutenção de um poder que se mascara nas relações, que se infiltra no nosso pensamento e na nossa concepção de mundo.

Para o gênero, essa visão é rica, afinal de contas, não estamos discutindo justamente as maneiras marcadas por relações de poder de conceber o masculino e o feminino? Tanto é verdade que Bourdieu denuncia um modo de pensar pautada pelas dicotomias e oposições. Aqui, falamos de masculino/feminino, mas o mesmo se opera em alto/baixo, rico/pobre, claro/escuro etc.

Além disso, Bourdieu enfatiza que essas concepções “invisíveis” que chegam a nós nos levam à formação de esquemas de pensamentos impensados, ou seja, quando acreditamos ter a liberdade de pensar alguma coisa, sem levar em conta que esse “livre pensamento” está marcado por interesses, preconceitos e opiniões alheias. Não é à toa que o sociólogo afirma que uma relação desigual de poder comporta uma aceitação dos grupos dominados, não sendo necessariamente uma aceitação consciente e deliberada, mas principalmente de submissão pré-reflexiva.

Em decorrência disso, a própria socialização dos corpos estaria tingida por essas ideias. “O corpo biológico socialmente modelado é”, conclui Bourdieu (1995, p. 156),“um corpo politizado, ou se preferimos, uma política incorporada. Os princípios fundamentais da visão androcêntrica do mundo são naturalizados sob a forma de posições e disposições elementares do corpo que são percebidas como expressões naturais de tendências naturais.”

Trocando em miúdos, a biologia e o corpo seriam espaços onde as desigualdades entre os sexos, aqui resumidas na ideia de dominação masculina, seriam naturalizadas. Essa noção nos remete à Joan Scott e à Judith Butler, bem como ao conjunto das feministas pós-estruturalistas.

Ainda que Bourdieu tenha trabalhado nesse campo com sua maestria usual, ele criou uma teoria que, do ponto de vista político, esteriliza as possibilidade de mudanças: como quebrar a dominação masculina se ela está tão imbricada no nosso inconsciente e nas formas mais simples de organização do pensamento e da linguagem? Há muitos outros problemas que poderiam discutidos nessa obra, que são apresentados por Corrêa (1999) e Carvalho (2011).

 

Fonte: Ensaios de Gêneros

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